Título: Lula não é maior que a conjuntura, a candidata natural sou eu, diz Marta
Autor: Agostine, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 05/08/2011, Política, p. A8

A senadora Marta Suplicy (PT-SP) não se intimida com o empenho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela candidatura do ministro da Educação, Fernando Haddad, à Prefeitura de São Paulo em 2012. "Lula tem uma força enorme no partido, mas não é maior que o processo e a conjuntura. A candidata natural sou eu. O ungido é ele [Haddad]", diz.Em entrevista concedida ontem ao Valor, Marta lembra que não é a primeira vez que o ex-presidente tenta lançar um candidato pouco conhecido em São Paulo e cita o apoio de Lula ao ex-deputado Ciro Gomes (PSB) em 2010, na disputa pelo governo paulista. A ideia não vingou no partido e Ciro desistiu de lançar-se. Agora, a petista acha que essa situação pode se repetir. "Não se constrói uma candidatura em 30 dias", diz. "Eu posso ganhar, sou a mais qualificada para o enfrentamento".

Vice-presidente do Senado, a petista diz que sua candidatura poderia ajudar a presidente Dilma Rousseff a recompor relações com o PR, já que seu suplente é do partido e assumiria sua vaga.

Na entrevista, Marta destaca sua formação religiosa e diz que é petista por ser católica. Mesmo encampando bandeiras rejeitadas por religiosos, como a união estável de pessoas do mesmo sexo, a senadora afirma ter uma boa relação com evangélicos e católicos. Ex-prefeita da capital (2001- 2004), cita o aceno financeiro que deu aos religiosos quando prefeita: isentou templos e igrejas do pagamento do IPTU. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: O governo está em crise com o PR e o partido deve deixar a base aliada no Senado. Como é a relação da senhora com o partido? Seu suplente, que é do PR, ficará em sua vaga se a senhora se candidatar à prefeitura. Algum problema?

Marta Suplicy: Não. Talvez o PR até goste e a Dilma goste de ter uma pessoa do PR para recompor. O que talvez alguns veem como algo negativo [a candidatura à prefeitura], pode ter se tornado algo positivo.

Valor: A senhora é pré-candidata?

Marta: Sim. Acho que eu posso ganhar e que sou a mais preparada para resgatar a personalidade da cidade. Acho que o cenário para São Paulo hoje não é como foi a eleição de Dilma. Naquele momento, não tínhamos nenhum candidato com condição de disputar a Presidência, mas tínhamos uma ministra da Casa Civil excelente. Quando Lula alçou Dilma como candidata, as pessoas ficaram surpresas, mas depois entenderam porque ela estava no núcleo de tudo o que estava acontecendo. Não teve nenhum antagonismo. Em São Paulo, a disputa tem vários candidatos. Não cabe um voluntarismo, já que tem vários candidatos qualificados. A situação é bem diferente.

Valor: Poderia detalhar?

Marta: Lula teve dois anos de exposição diária na mídia para falar de sua candidata e Dilma pode falar de sua competência. Isso não ocorre agora, não tem mais essa exposição privilegiada com o presidente. A campanha vai se realizar em 30 dias, na televisão. O tempo de televisão deve ser fragmentado, porque já tem muitos candidatos de vários partidos. Não adianta dizer que Chalita não será candidato, o PDT não terá candidato. Achar que vai tirar candidatura não corresponde à realidade. E não se faz um candidato em 30 dias.

Valor: A senhora se incomoda com o apoio que o presidente Lula tem dado a Haddad?

Marta: Não. Faz parte da política e a política é um processo que vai se modificando a cada dia. Nesse processo, há vários candidatos que serão eliminados, decantados. O que vai determinar uma candidatura é a conjuntura. Tenho que ficar muito tranquila, porque a candidatura natural é a minha.

Valor: Esse respaldo não a constrange, nem pelo fato de a senhora ter coordenado a campanha de Lula em São Paulo?

Marta: Não, não me incomoda, porque Lula é assim. Ele teve a ideia de Ciro Gomes em São Paulo e foi muito importante ele ter colocado essa ideia. É o que ele acreditava que fosse correto. É bom ter uma pessoa como o presidente, que tem estratégias, que tem visões, que tem opinião e se expõe. Mas eu acho que uma cara nova em São Paulo, tendo a avaliação que eu tenho, com a experiência que eu tenho, não é o melhor caminho.

Valor: Haddad também diz ser pré-candidato e que não é preciso prévias para escolher o candidato...

Marta: A candidata natural sou eu. O candidato ungido é ele [Haddad]. Nós vamos ver como o processo caminha e como a conjuntura determina. Não existe varinha mágica que chegue e diga: "é esta a candidatura". A não ser que seja uma ocasião muito especial, que foi a escolha de Dilma por Lula. Em outras situações, o processo determina. Lula tem uma força enorme dentro do partido. Mas ele não é maior que o processo e nem que a conjuntura. Ele teve essa ideia e vai fazer um esforço nessa direção. Se ele se mostrar acertado, a conjuntura vai dizer e eu vou me recolher. Agora eu acho que tem que esperar o processo e a conjuntura. Podem mostrar que a candidatura do Haddad não caminha. E você não vai contra o processo.

Valor: Insistindo na questão das prévias, elas serão realizadas ou haverá acordo?

Marta: Não tenho a menor ideia. Eu sou a candidata natural, não tenho que me mexer. Eu não tenho que ser contra nem a favor. Eu tô ali tranquila, tenho 30% dos votos.

Valor: O que pode determinar a escolha do candidato? As pesquisas eleitorais?

Marta: Não só. Não posso dizer como vai ser. Acredito que eu posso ganhar, que sou a mais qualificada para fazer o enfrentamento com quem vier - com o Serra, [sou preparada] mais do que ninguém. Isso posto, a minha candidatura é natural dentro do partido. Se o processo demonstrar que não é, vamos ver. Mas acredito que vai ser muito difícil mostrar isso. Tenho 30% [das intenções de voto], a candidata natural, com rejeição de 18%, que é pequena para quem esteve no Executivo, tenho obra para mostrar e maturidade depois de dez anos para exercer o cargo. Acho que a minha candidatura é a que tem chance de ganhar.

Valor: Pesquisas eleitorais indicam uma alta rejeição ao seu nome e esse é um dos argumentos contrários dentro do PT à sua candidatura...

Marta: Não. A minha rejeição na pesquisa Vox Populi [divulgada na semana passada] é de 18%. A de [José] Serra é de 16%. Netinho tem rejeição de 16% e para ele é alta porque ele nunca teve cargo no Executivo. Quem é do Executivo sempre agrada e desagrada e a minha rejeição é de quem teve cargo no Executivo. A pesquisa mostra que eu ganho entre as mulheres, entre os jovens, entre a população economicamente ativa. Há algo errado na avaliação que fazem da rejeição e do teto.

Valor: Como a senhora pretende conquistar o apoio do partido? A bancada federal, por exemplo, está dividida e tem dois pré-candidatos...

Marta: Eu não tenho que me mexer. Tenho apoio de parcelas do partido. Aloizio Mercadante tem apoio até maior que o meu. Haddad tem algum apoio dentro do partido. E temos a força de Lula. Agora ninguém vai achar que é uma disputa com Lula. Ele é uma força tão grande, tão distante de todos nós, tão poderoso que essa luta não poderia existir. Lula falou [de Haddad] porque ele gostaria de um nome novo, mas ele tem experiência maior que todos nós de respeitar o processo e a conjuntura. Isso vai ser natural, por isso estou tranquila.

Valor: A senhora vai intensificar a agenda em São Paulo?

Marta: Vou trabalhar como sempre fiz. O PT vai fazer as caravanas e vou participar de todas elas, como petista que sou.

Valor: A senhora defende bandeiras como a união homoafetiva, criticadas por lideranças religiosas. Isso não a afasta dos religiosos?

Marta: Já fui prefeita com as mesmas convicções e todas as religiões perceberam o respeito que eu tenho por elas. Temos muitos projetos sociais em comum com os católicos. Nossa parceria não é financeira, de repasse de recursos a entidades católicas, mas sim de ideais, de projetos de resgate da pobreza. Isso vem da minha própria formação. Sou petista porque sou católica. Com os evangélicos eu fiz gestos muito expressivos e tirei o IPTU dos templos. Eu isentei todos os templos e igrejas. Tive enorme respeito por suas convicções. Quer fazer Marcha para Jesus? Faça. Com a comunidade afro eu permiti cultos em cemitérios, com determinados limites. Respeito a diversidade dos costumes. Tanto é que a mais votada pelos evangélicos e pelos católicos sou eu.

Valor: O que tornaria a candidatura da senhora mais competitiva do que a de outros petistas?

Marta: Por que eu sou uma candidata para ganhar? Primeiro é a maturidade. A gente aprende. Fui eleita prefeita há dez anos, fui ministra e agora sou senadora. Fiz muita coisa boa para a cidade, em uma situação adversa. Peguei a cidade depois de [Paulo] Maluf, [Celso] Pitta, com uma dívida gigantesca. Fiz o bilhete único, os CEUs, o renda mínima. Posso resgatar projetos importantes na área da Educação, recuperar o que não foi feito na área de trânsito. A cidade está em uma situação de abandono, de falta de planejamento absoluto, além do território livre em termos imobiliários. O Plano Diretor não foi implementado, os planos de revitalização foram abandonados. A cidade cresce por inércia e pelo trabalho de seu povo. Não houve planejamento. Quero ser prefeita para que a cidade volte a funcionar.

Valor: Qual sua análise da candidatura Chalita?

Marta: Acho que o PMDB é o partido mais forte do Brasil e estava em uma situação muito precária, sem liderança expressiva, elegeu só um deputado federal. Algo tinha que ser feito e foi feito esse gesto por Chalita.

Valor: Ele pode ser vice do PT? É possível uma aliança no primeiro turno?

Marta: Tenho que respeitar todas as candidaturas, mas seria muito bom.

Valor: Não é contraditório o PT ter criticado tanto Chalita quando secretário da Educação de Alckmin e agora buscar uma aliança?

Marta: Chalita é o candidato do PMDB. Se ele vier como parceiro, será tratado como parceiro. Se ele for opositor, será tratado como opositor e temos argumentos fortes. Mas quem manda na Educação de uma prefeitura petista é o PT.

Valor: Quem deve ser o adversário do PT? Serra?

Marta: É o Serra. Ele não tem saída. Se não conseguir ser candidato agora, quanto mais em 2014. Vai ser ele. O [Andrea] Matarazzo está lá de clone, para sair na hora certa.

Valor: Na avaliação da senhora, qual é o ponto fraco da gestão do prefeito Gilberto Kassab?

Marta: São muitos, mas o que mais me instiga é o motivo de ele não usar os R$ 7 bilhões de superávit, em uma cidade que precisa de corredor de ônibus, de limpeza de córrego, de habitação. A gestão toda foi marcada por um superavit gigantesco, por incapacidade de ação. Quando se é prefeito, dinheiro não fica no banco, vai para o povo.