Título: Governo encerra março com pequena folga na meta fiscal
Autor: Alex Ribeiro
Fonte: Valor Econômico, 27/04/2006, Brasil, p. A3

O governo conseguiu manter, com pequena folga, o superávit primário dentro da trajetória de cumprimento da meta fixada para o ano, de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB). O resultado nos 12 meses encerrados em março ficou em 4,39% do PIB, ligeiramente acima dos 4,37% do PIB observados em fevereiro. O dado divulgado pelo BC é recorde, superando as expectativas de analistas econômicos. Mas não se mostrou suficiente para dissipar, de uma vez por todas, as dúvidas sobre a evolução das contas fiscais.

A economia dos vários níveis de governo (União, Estados, municípios e empresas estatais) para o pagamento de juros da dívida pública chegou a R$ 13,186 bilhões em março, acima dos R$ 12,258 bilhões observados no mesmo período de 2005. É o valor mais alto registrado na história para meses de março. Os analistas econômicos, esperavam números entre R$ 9 bilhões e R$ 10 bilhões.

A análise detalhada dos números mostra, porém, um pequeno afrouxamento nos gastos do governo central. O superávit em 12 meses recuou de 2,63% para 2,53% do PIB. Mas a queda foi praticamente compensada por uma maior economia das estatais federais, cujo primário subiu de 0,6 para 0,69% do PIB.

Já os governos regionais apresentaram um desempenho um pouco superior ao dos meses anteriores, afastando, pelo menos temporariamente, os receios de que irão provocar uma expansão de gastos neste ano eleitoral. O resultado acumulado em 12 meses passou de 0,99% para 1% do PIB, sempre na comparação dos 12 meses encerrados em fevereiro e março, respectivamente. O superávit das estatais municipais e estaduais passou de 0,14% para 0,16% do PIB.

Os dados acima mostram uma estabilidade do superávit primário, o que equivale a dizer que em março deste ano foi feito basicamente o mesmo esforço fiscal que em idêntico mês do ano passado. Mesmo assim, persistem dúvidas sobre qual será o desempenho fiscal neste ano, por duas razões.

A primeira é que, em janeiro, houve queda acentuada do superávit acumulado em 12 meses, que em dezembro de 2005 estava em 4,83% do PIB e, no mês seguinte, fechou em 4,37%. Na época, ficou bem entendido que a queda se devia a fatores episódicos, com um acerto de pagamentos feitos ao sistema S, concentração de precatórios judiciais e pagamento de "royalties" pelas empresas estatais. O fato, porém, é que foram queimadas as gorduras na ocasião.

A segunda razão de preocupação é a expansão de gastos esperada para o segundo trimestre. O economista-chefe do Unibanco, Marcelo Salomon, lembra que começa a vigorar o aumento do salário mínimo e haverá concentração de gastos em investimentos, devido a restrições no período eleitoral. "Sobra, portanto, a tarefa de cumprir o superávit primário no segundo semestre", diz Salomon. "O que preocupa é que, até agora, o governo ainda não disse concretamente como pretende fazer isso."

De qualquer forma, o economista dá um voto de confiança ao governo, acreditando no cumprimento da meta. Essa é, por sinal, a opinião dos analistas consultados na pesquisa Focus, feita pelo BC, que mantém uma projeção de 4,25% para o primário do ano.

O chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, admite que "sempre há o risco" de o superávit primário cair abaixo da trajetória da meta de 4,25% ao longo do ano. Mas considera a hipótese remota. Ele chama a atenção para a dinâmica diferente do gasto público em um ano eleitoral. Lopes lembra que, em 2002, o superávit primário do primeiro trimestre foi de 3,84% do PIB, abaixo dos 5,35% observados no mesmo período de 2001. Mas, no decorrer do ano, foi elevado a 3,89% do PIB, acima da meta, de 3,75%.

O resultado primário de março passado foi alto o suficiente para produzir um superávit nominal de R$ 286 milhões, o que significa que houve sobra de recursos mesmo após o pagamento de juros. Com isso, a dívida líquida do setor público recuou de 51,8% para 51,7% do PIB entre fevereiro e março. A redução só não foi maior porque está havendo deflação do IGP-DI, usado para valorizar o PIB, o que faz com que a dívida pareça relativamente maior.

Para o encerramento do ano, porém, o BC reduziu de 50,5% para 50% a projeção para a dívida líquida. Parâmetros previstos pelo mercado - juros, câmbio e crescimento econômico - usados pelo BC na estimativa apresentaram melhora.

Em 2005, apesar do superávit primário de 4,83% do PIB, a dívida não cedeu, devido ao mau desempenho de outras variáveis. Os juros básicos médios foram de 19,05%, o que fez com que encargos da dívida pública chegassem a 8,11% do PIB; o baixo crescimento do PIB, de 2,3%, fez a divida parecer relativamente maior.

Em 2005, é esperada uma queda da dívida mesmo com superávit primário menor, de 4,25% do PIB, porque os juros médios devem ficar em apenas 15,16%, segundo expectativa de mercado. O crescimento projetado para a economia é de 3,5%; se ficar em 4%, como espera o BC, a dívida liquida pode cair abaixo de 50% do PIB.