Título: Políticas de erradicação do trabalho infantil
Autor: Maria Cristina Cacciamali, Natália Nunes Ferreira
Fonte: Valor Econômico, 27/04/2006, Opinião, p. A14

As políticas de erradicação do trabalho infantil se apóiam no nível de renda per capita da família para inclui-la em programa público de transferência de renda. Este critério se baseia na relevância do nível de subsistência familiar para definir a alocação da mão-de-obra dos membros da família, inclusive das crianças. Enquanto a renda dos adultos não atinge um patamar considerado mínimo pela própria família, a oferta do trabalho das crianças é uma alternativa viável.

A renda não-transitória dos indivíduos é determinada principalmente pelo seu nível de escolaridade. Crianças que trabalham apresentam maior probabilidade de não estudar, de menor aproveitamento escolar ou de se evadir da escola. Justamente por isso o uso da mão-de-obra infantil deve ser condenado pela sociedade, pois reduz as chances de uma criança obter renda maior enquanto adulta, prejudicando seu futuro. Dessa maneira, devido à relação intrínseca entre renda e educação, o nível de instrução dos pais é a variável que mais contribui na prevenção do trabalho infantil.

Sem desconsiderar a importância da variável renda, outros fatores devem ser levados em conta. O mapeamento de outras variáveis também influenciam na inserção precoce da criança no mercado de trabalho, contribuem para melhor focalização das famílias que devem ser priorizadas perante uma política de transferência de renda como, por exemplo, o programa federal Bolsa Família.

Dois estudos foram realizados na Universidade de São Paulo abordando contextos familiares distintos, complementando e qualificando a variável renda. O primeiro explora o impacto da migração familiar sobre o trabalho infantil, em especial sobre as famílias recém-chegadas no Estado de São Paulo. O segundo estudo focaliza o trabalho infantil entre as famílias sob a responsabilidade de um trabalhador por conta própria ou de um empregado com carteira assinada, pois se verifica que muitas famílias do primeiro tipo se utilizam da mão-de-obra familiar, inclusive das crianças, para exercer sua atividade e/ou complementar renda.

Com base nos dados do Censo Demográfico de 2000, analisamos o impacto na probabilidade de ofertar trabalho de crianças entre 10 e 14 anos, situadas na área urbana do Estado de São Paulo, de acordo com a condição de migração de seus pais. As famílias com crianças nessa faixa etária foram classificadas pela sua condição de migração e ainda pela situação do chefe de família estar ou não com um cônjuge.

-------------------------------------------------------------------------------- Estudos mostram que o nível de educação dos pais é a variável que mais contribui para evitar que a criança trabalhe --------------------------------------------------------------------------------

Estimamos o impacto do deslocamento migratório na decisão familiar de inserir seus filhos no mercado de trabalho e concluímos que os filhos de pais e mães que ainda não computam dez anos de residência no Estado têm mais chances de trabalhar que os filhos de paulistas, devido particularmente às dificuldades de inserção dos pais no mercado de trabalho. Por outro lado, os filhos de mães migrantes que estão sem cônjuge têm mais chances de trabalhar, independente do tempo de residência da mãe no Estado e a despeito de apresentarem um rendimento maior, controlado pelo grau de instrução.

O segundo estudo emprega os dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD) de 2002 para analisar o uso da mão-de-obra infantil entre as famílias com filhos entre 10 e 16 anos sob a responsabilidade de um empregado com carteira assinada ou de um trabalhador por conta própria. Constatamos que os filhos das famílias sob a responsabilidade de trabalhadores por conta própria apresentam probabilidade três vezes maior de trabalhar que os filhos de famílias de empregados com carteira de trabalho assinada, particularmente na área agrícola. Os dados comprovam que a escolaridade dos responsáveis pela família é mais importante do que a sua renda na prevenção do trabalho infantil.

Os dois estudos indicam que o nível de educação dos pais é a variável que mais contribui para evitar que a criança trabalhe. Apontam que considerar outras variáveis pode auxiliar no desenho das políticas públicas orientadas para a erradicação do trabalho infantil, ou seja, a relação direta entre insuficiência de renda e trabalho infantil pode ser aprofundada e detalhada.

Os resultados dos dois estudos se complementam. O primeiro afirma que, mesmo com maior renda, as mulheres migrantes sem cônjuge apresentam probabilidades maiores de inserirem seus filhos precocemente no mercado de trabalho. Por sua vez, o segundo estudo corrobora a constatação da importância do status de ocupação do responsável pela família, suas necessidades, hábitos e cultura de trabalho

Os produtos obtidos nesses estudos trazem implicações importantes para a formulação e acompanhamento da política pública de erradicação do trabalho infantil: 1) reforça a importância da utilização do sistema escolar na prevenção do uso da mão-de-obra de crianças. Uma carga horária integral diminui a disponibilidade de tempo das crianças trabalharem; 2) as famílias-alvo da transferência de renda do governo podem ser focalizadas a partir da escola por meio da análise de um conjunto de variáveis que, além da renda familiar, contemplam: mãe com ou sem cônjuge, condição de migração a partir do tempo de residência no local de destino e posição na ocupação dos pais - assalariado, conta própria ou serviço doméstico; 3) é necessário fornecer maior apoio aos migrantes de baixa qualificação tanto no local de origem - por meio da possibilidade de emprego e acesso à educação de qualidade - quanto no local de destino, reduzindo o custo de ajustamento da família.

Maria Cristina Cacciamali é doutora, Livre-docente e titular da FEA e do Prolam da USP, pesquisadora do Conselho Nacional de Pesquisa e Tecnologia e perita da OIT para o Seguimento dos Direitos Fundamentais no Trabalho e coordenadora do Nespi.

Natália Nunes Ferreira Batista é doutora pela USP, membro do Nespi, professora da Trevisan Escola de Negócios e pesquisadora do Cebrap.