Título: À mesa com Obama
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 02/09/2010, Mundo, p. 26

Líderes de Israel e da Palestina retomam conversações de paz em Washington. Ataques a colonos acirram divergências

Palestinos e israelenses retomam hoje as negociações diretas, em Washington, em meio à tensão acirrada sobre um dos temas mais controversos no processo de paz: os assentamentos judaicos em territórios palestinos. Apesar da disposição demonstrada tanto pelo primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, quanto pelo presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmud Abbas, ficou claro que a moratória de construções nas colônias terminará mesmo neste mês, contrariando uma condição que o lado árabe considera vital para o avanço das conversações. O anfitrião, Barack Obama, pediu aos dois líderes que aproveitem a chance: É hora de os líderes que têm coragem e visão selarem a paz que seus povos merecem.

Netanyahu e Abbas chegaram aos EUA sob impacto de um ataque reivindicado pelo grupo radical palestino Hamas, que deixou quatro israelenses mortos na Cisjordânia, na última terça-feira. Ontem, mais dois israelenses ficaram feridos por disparos enquanto passavam pela colônia de Rimonim, na região de Ramallah. O primeiro atentado levou os parlamentares israelenses mais conservadores a pedirem a suspensão do início do diálogo direto. A Autoridade Palestina, por sua vez, tentou amenizar a situação ordenando a prisão de 250 integrantes do Hamas na Cisjordânia, a fim de mostrar compromisso com uma solução pacífica. A decisão da AP, contudo, foi considerada uma traição sem precedentes pelos extremistas.

Sob pressão intensa dos colonos, que formam parte substancial do eleitorado de seu partido, o direitista Likud, Netanyahu disse à secretária de Estado Hillary Clinton que não vai prorrogar o período de congelamento das colônias, que se encerra no próximo dia 26. O porta-voz da Presidência palestina, Nabil Abu Rudeina, alertou que essa decisão significará o fim do processo de paz: O reatamento da colonização condenaria as negociações ao fracasso.

A posição foi reforçada pelo presidente do Egito, Hosni Mubarak, um dos principais mediadores do conflito, que também se encontrou com Obama também era esperado na Casa Branca o rei da Jordânia, Abdullah II. Uma completa interrupção da expansão dos assentamentos na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental é vital para que as negociações sejam um sucesso, afirmou Mubarak em entrevista ao The New York Times.

Parceiros na paz No discurso, contudo, os dois lados se disseram empenhados. Netanyahu declarou que deseja pôr um fim ao conflito com os palestinos de uma vez por todas, e chamou Abbas de parceiro na paz. O presidente palestino, por sua vez, disse que é possível alcançar a paz com Israel no prazo de um ano, estipulado pelo Quarteto (ONU, EUA, Rússia e União Europeia), quando as negociações diretas foram anunciadas. Um ano é muito tempo, disse Abbas ao jornal palestino Al-Ayyam. Ele, entretanto, pediu que Netanyahu considere o que já foi negociado com os governos israelenses anteriores e que, nas conversas que se reiniciam hoje, sejam considerados todos os detalhes discutidos, por meio de mediadores, nos últimos 10 meses. Já o premiê israelense destacou que a paz também deve ser defendida por seus inimigos.

Na véspera do reinício das negociações diretas, outro tema espinhoso voltou à tona e causou aparente mal-estar na cúpula israelense. Em entrevista ao jornal israelense Haaretz, o ministro da Defesa, Ehud Barak, disse que os bairros árabes de Jerusalém o que pode ser interpretado como Jerusalém Oriental poderiam ser entregues aos palestinos, como parte de um acordo de paz. Jerusalém Ocidental e os 12 bairros judaicos, onde vivem cerca de 200 mil israelenses, ficariam conosco. Os bairros árabes, onde vivem cerca de 250 mil palestinos, serão deles, disse. Em Washington, um assessor de Netanyahu desmentiu que tal possibilidade esteja sendo estudada. Jerusalém é um dos assuntos centrais que estão sobre a mesa de negociações. Nossa postura é de que continuará sendo a capital indivisível de Israel, assegurou.

COLONOS MOBILIZADOS Colocados no centro do impasse entre os governos israelense e palestino, os colonos judeus da Cisjordânia foram em massa ao assentamento de Beit Haghai para o enterro dos dois casais incluindo uma grávida mortos anteontem em emboscada do Hamas, perto de Hebron. Confiantes no premiê Benjamin Netanyahu, que confirmou a retomada de construções os moradores da colônia de Adam, nos subúrbios ao norte de Jerusalém, iniciaram simbolicamente as obras de uma quadra de esportes. Uma faixa, afixada na parede de uma escola, dava resposta aos extremistas palestinos: Eles atiram, nós construímos.

"É hora de os líderes que têm coragem e visão selarem a paz que seus povos merecem

"Haverá extremistas que, em vez de buscarem a paz, estarão buscando a destruição

Barack Obama, presidente dos Estados Unidos

Pontos de vista

Por Giora Becher

HORA DAS CONCESSÕES

Para nós, o mais importante agora é a oportunidade de dialogar com os palestinos, sem precondição. O governo de Israel se dispõe a aceitar decisões difíceis para conseguir a paz. O processo não vai ser fácil, não vai ser imediato. Temos que tocar em temas importantes, e o primeiro é a segurança de Israel. Não queremos que se repita o que ocorreu na Faixa de Gaza, que se tornou uma base de ataques contra a população de Israel. Resta saber se também os palestinos estão dispostos a fazer verdadeiras concessões, com decisões difíceis, como a desmilitarização do Estado palestino.

Sobre os assentamentos israelenses, a minha pergunta é por que os palestinos esperaram até o último momento para começar esse diálogo direto com Israel. Para nós, é uma desculpa dos palestinos, que querem agora, no último momento, criar problemas para a continuação do processo. Para nós, não é importante se vão se construir 100 casas a mais ou 100 casas a menos o importante é chegar à paz e resolver todos os problemas, incluindo a presença judaica dentro desses territórios. » Embaixador de Israel

Por Ibrahim Al-Zeben

HORA DE DESOCUPAR

Consideramos que as negociações diretas são uma oportunidade para a paz no Oriente Médio, e uma oportunidade que temos de levar com muita seriedade. Mas isso dependerá muito da boa vontade das duas partes. Acho que sobra boa vontade por parte da Palestina e dos palestinos. Já Israel tem que mostrar essa boa vontade com medidas concretas. É preciso paralisar completamente os assentamentos. Não podemos continuar com a negociação enquanto Israel está construindo e confiscando território correspondente ao Estado palestino.

Nós assumimos a paz como uma opção estratégica. Mas há desconfiança nas negociações, devido à atitude de Israel, durante quase 15 anos, de não respeitar esse processo. Acreditamos que há possibilidade de se restabelecer a confiança. A paz se faz entre inimigos e, nesse caso, a paz deve ser feita entre os palestinos, que estão sob ocupação, e Israel, que é a potência ocupante e deve sair do território, para permitir e facilitar a criação do Estado da Palestina. » Embaixador da Autoridade Palestina