Título: Meta volta ao debate
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 27/04/2006, Opinião, p. A15
Foi reaberta a temporada de sugestões para a meta de inflação. O tema tem despertado atenção desde que o regime foi adotado no Brasil, em julho de 1999, mas tende a ganhar alguns decibéis de entusiasmo neste ano eleitoral.
Vive-se hoje em uma situação econômica que, muito embora longe do desejável, tem se mantido próxima do acomodável. Tudo graças a um indicador: a apreciação do real face à moeda americana. Ela ajuda a explicar muito do que se passa ao redor. Explica a letargia da taxa de inflação. Explica, por força de conseqüência, o maior espaço que o BC passou a ter para reduzir a taxa de juro nominal. Vale, aqui, um parêntese: quanto menor for a inflação, maior será a taxa de juros real para dada taxa de juro nominal, não se devendo perder isso de vista.
A apreciação cambial ajuda a atrair capital de fora e isso, nesses dias de vacas gordas mundo afora, só reforça a tendência aos influxos externos, o que, por sua vez, amplia a perspectiva de fortalecimento da moeda nacional no mercado interno.
Mas, voltando ao tema, a pergunta que sempre se faz e que não fugirá das preocupações dos economistas e dos políticos neste ano tem a ver com os seguintes pontos nada triviais: qual o nível ideal de meta de inflação para um país em desenvolvimento como o Brasil? Que tipo de critério deve prevalecer para a fixação da meta, o índice de preços pleno (como é hoje, na figura do IPCA) ou apenas o "core", ou coração do índice, depois de ser "aparado" dos efeitos de preços não-controláveis internamente, como o da energia (basicamente petróleo é o que pode pesar aqui)? Ou, ainda, devemos trabalhar com o prazo fechado de um ano-calendário ou com um horizonte mais largo de tempo, como é usado por outros países que também praticam o regime de meta de inflação?
Em junho, como se sabe, o Conselho Monetário Nacional (CMN), agora sob a presidência do ministro Guido Mantega, terá de definir a meta de inflação para 2008. Que meta será essa? Que projeções de inflação e de variação do PIB estarão alimentando a decisão do CMN?
São muitas as perguntas, mas os economistas existem, graças a Deus, para preencher o vácuo das respostas ainda que suas previsões possam não se concretizar. Ajudam a pensar, pelo menos.
Um texto que acaba de sair publicado pelo Ipea procura tratar do assunto. O trabalho é despretensioso: "Cenários para as Taxas de Juros e Inflação para 2006-2007: Qual deveria ser a Meta de Inflação de 2008?". É assinado por quatro economistas. Leonardo Mello de Carvalho, José Ronaldo de Castro Souza Júnior, Fabio Giambiagi (os três trabalhando atualmente no Ipea) e Eduardo Velho, da Mandarim Gestão de Ativos.
-------------------------------------------------------------------------------- Qual o nível ideal da meta de inflação e que critério usar para fixá-la são questões que não fugirão das preocupações dos economistas neste ano --------------------------------------------------------------------------------
Para responder à pergunta que se impõem, imaginaram um modelo com uma intrincada relação entre inúmeras variáveis, cujo desenho, visto assim à distância, mais parece o organograma de um complexo projeto de reator nuclear.
As expectativas de inflação são guiadas pela meta de inflação. Aliás, essa é a mágica do regime de metas: a de atar as pessoas a um referencial que seja generalizadamente entendido, que fale caro ao bolso de todos e que, ao mesmo tempo, funcione como espécie de bússola a guiar os passos da economia. Por isso mesmo, a expectativa de inflação desempenha papel crucial no modelo dos quatro economistas. Entre os fatores de influência já conhecidos - Selic, o risco-país, a inflação corrente - destaca-se justo a taxa de câmbio.
Os resultados mostram que a desvalorização da taxa de câmbio acumulada em três períodos influencia no sentido de ampliar a expectativa de inflação 12 meses à frente. O contrário (quando ocorre uma apreciação acumulada) é obviamente verdadeiro, ainda que os efeitos possam se dar em prazos diferentes.
Os autores também mencionam a estrutura a termo da taxa de juros. O BC atua no curto prazo com o intuito de influenciar a taxa de juros futuros que, por sua vez, tem influência sobre a demanda agregada.
À semelhança do que faz o BC em seus exercícios de projeção da inflação, o texto destaca a importância do chamado "hiato do produto", ou seja, a defasagem existente entre a produção efetivamente em curso e o nível potencial de produção da capacidade produtiva instalada. Quanto mais a primeira se aproxima da segunda, mais risco há de pressão da demanda sobre os preços.
Ponderações são feitas sobre o impacto das variáveis nos produtos comercializáveis (aqueles que podem ser exportados) e não-comercializáveis (basicamente serviços) e de como isso se reflete no produto. Depois de identificarem os mecanismos da dinâmica da taxa de inflação no país, os autores se debruçaram sobre exercícios que buscam traçar a trajetória dos preços para este ano e para 2007, levando em conta a meta de inflação já fixada para cada um dos períodos de 4,5% ao ano, com margem de 2% para mais e para menos. As suposições são as seguintes: 1) BC ultra-conservador - juros em queda até nível de 16,5% ao ano, que se manteria até o final de 2007; 2) BC consensual - juros em queda até 14,5% no final de 2006 e 13,5% em fins de 2007; 3) BC ousado - Selic fecharia este ano em 12,5% e em 10,5% no final do ano que vem.
Para o câmbio, adotaram três cenários para o final de 2007: R$ 2,30 no cenário A; R$ 2,50 no B e R$ 2,70 no C. Esses cenários têm ligação não apenas com juros projetados, mas com o fluxo de dólares e com o risco-país que, na pior das hipóteses imaginadas pelo quarteto, chegaria ao final de 2007 em 290 pontos.
Tudo isso foi combinado e recombinado de modo a que se pudesse chegar à resposta proposta: qual deve ser a meta de inflação para 2008? Os autores concluem que o melhor mesmo é deixar como está e repetir a meta de 4,5% ao ano para 2008, sugerindo apenas uma certa dose de conservadorismo, qual seja a de reduzir de 2% para 1,5% a margem de folga para mais e para menos.
Um curto parágrafo é dedicado à taxa de crescimento. Se o país quiser crescer além da média anual de 2,5% dos últimos 25 anos em ambiente de inflação declinante recomenda-se o óbvio: o aumento da taxa de investimento, que depende das reformas, etc..., etc...
O texto passa ao largo de aspectos técnicos importantes relacionados ao sistema de meta de inflação, mas isso não vai intimidar um debate mais aprofundado sobre o tema.