Título: Blue chips perdem espaço nas carteiras dos investidores
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 27/04/2006, Especial, p. A16
Poucos anos atrás, as ações blue chips dos Estados Unidos eram a classe de ativos mais respeitada no mundo. Não são mais. Em maio, o fundo Fidelity Blue Chip Growth Fund, que administra US$ 22 bilhões e que tem em carteira ações de gigantes americanas como a Microsoft, Johnson & Johnson e Wal-Mart Stores, vai fazer um pedido surpreendente. Ela vai pedir aos acionistas que aprovem uma mudança do referencial que ela acompanha, o índice de ações Standard & Poor´s 500, um barômetro tradicional das blue chips, para o índice Russell 1000 Growth Index, uma medida mais ampla que inclui muitas companhias menores. "A mudança", diz o gerente de fundos John McDowell, "reflete o estilo de investimentos do fundo nos momentos bons e ruins". Enquanto isso, outro fundo da Fidelity, o Magellan, que gerencia US$ 50 bilhões, recentemente se desfez das blue chips Pfizer, Intel e Procter & Gamble e reforçou suas posições internacionais, que eram de 4% poucos meses atrás, para 25%.
A General Electric (GE) aumentou seus lucros em 22% desde que o diretor-executivo Jeffrey R. Immelt tomou as rédeas em 7 de setembro de 2001. Mas o outrora elevado preço da ação da companhia perdeu força durante seu mandato. A Home Depot, segundo maior grupo varejista dos Estados Unidos, mais que dobrou seus lucros desde 2001, um feito recompensado com uma alta magra de 1,5% no preço de sua ação. O prêmio a Intel por ela ter aumentado seus lucros em 173% em cinco anos? Uma queda de 30% no preço de sua ação.
Um mal parecido atinge a Walt Disney, Microsoft, Pfizer, Wal-Mart e outras empresas de muitos setores. O que deixa amargurados os líderes dessas corporações é que parece haver pouca coisa que elas possam fazer a respeito. Elas estão aumentando seus lucros, mas os investidores não estão respondendo. Em ação estão forças em grande parte além do controle dessas empresas.
O índice S&P 500 está perto no nível mais alto em cinco anos. Mas não comemore: seu retorno anual durante esse período foi de apenas 4,3%, bem menos que a média de longo prazo que é de 10%. O índice de ações S&P 100, o mais blue chip de todos, com um valor de mercado de US$ 6,5 trilhões e uma grande parcela dos lucros corporativos dos Estados Unidos, proporcionou uma rentabilidade anual de apenas 2,3% nesses cinco anos, principalmente por causa dos dividendos. Sem os dividendos, o retorno total cai para apenas 0,94%, ou 0,19% ao ano. Em qualquer situação, depois dos impostos e da inflação, isso cai para praticamente zero. As coisas estão tão ruins que Jason R. Trennert, estrategista da ISI Group, chegou a dizer que as blue chips poderão "se transformar na classe de ativos mais barata do mundo desenvolvido".
Não há uma lei que force os preços das ações a acompanharem perfeitamente os lucros das empresas. Mas o grau da defasagem e sua longa duração apresentam sérias dúvidas para os diretores-executivos, gerentes e acionistas. Será esse um fenômeno temporário ou uma mudança estrutural permanente? Será que os investidores dos EUA - médicos e enfermeiras, casados e solteiros, oficiais de justiça e juízes - continuarão a manter essas ações com o mesmo zelo de uns poucos anos atrás? O que seria preciso para fazer as grandes ações americanas se movimentarem novamente?
Praticamente tudo está superando as blue chips: imóveis, commodities, metais preciosos, ações internacionais e as ações de empresas americanas de menor porte. E os investidores não estão precisando ser gênios para participarem desses ganhos. Eles tiveram só que tirar do armário algumas idéias antigas. A teoria financeira básica diz que os investidores podem obter o maior equilíbrio entre os riscos e as recompensas tendo em carteira o maior número possível de classes de ativos de todas as partes do mundo, de ações a ouro, de tecidos de lã a açafrão.
Durante anos o índice S&P 500 das maiores companhias dos EUA foi a melhor aproximação desse ideal disponível para os investidores - e eles se apegaram a ele aos montes. Mas na última década, os mercados financeiros mundiais mudaram de maneiras inesperadas. A proliferação dos fundos de hedge, esses instrumentos de capital pouco regulamentados que caíram no gosto dos investidores ricos, tem permitido aos gestores de fundos de pensão e outros investidores institucionais se aventurarem além das praias americanas, e buscar retornos elevados onde quer que eles se apresentem. E a explosão dos fundos negociados em bolsas de valores, ou fundos mútuos que são negociados como ações, abriu um mundo para os investidores individuais de uma maneira nunca possível antes. China, México e África do Sul estão agora a distâncias de apenas um clic no mouse. Uma década atrás, eles estavam disponíveis principalmente através de fundos mútuos que cobravam taxas de administração elevadas, quando estavam. Com mais escolhas, os investidores estão diversificando seus portfólios, como os exemplos mostram que eles deveriam fazer. Ações de mercados emergentes, ações de pequenas empresas americanas e até mesmo commodities estão representando grandes parcelas dos portfólios. Alguns estrategistas de mercado acreditam que esse rebalanceamento global poderá ser um processo de 10 ou 20 anos. Mas os céticos afirmam que uma crise financeira pode irromper fora dos EUA a qualquer momento e fazer com que os investidores corram para a segurança relativa dos mercados americanos.
Quem está certo? Antes de avaliarmos as possibilidades, precisamos entender em primeiro lugar como as blue chips ficaram tão populares. As maiores ações americanas deram retorno anual médio e 16% durante a fase de alta do mercado que durou de 1982 a 2000, ganhos que superaram de longe o crescimento dos lucros das empresas. Em 1981 a relação média de preço sobre lucro (P/L) dessas ações estava ao redor de 8. Em 2000, no auge da bolha tecnológica, muitas ações atingiram suas maiores altas históricas e o P/L havia inchado para 35. Até mesmo um conglomerado como a GE ostentava um P/L quase duas vezes maior que o atual, de 18. As blue chips "estão saindo da maior expansão do P/L da história", diz James P. O´Shaughnessy, que supervisiona mais de US$ 6,5 bilhões para a Bear Stearns Asset Management. "Em 2000 foi como se não houvesse mais nada em que valesse a pena investir."
Nada mesmo. A fase de alta do mercado ("bull market") resultou da escassez de oportunidades alternativas. As taxas de juros de longo prazo caíram ao longo do período, tornando os rendimentos dos bônus menos atraentes aos investidores. Os preços do petróleo, de outras commodities e dos metais preciosos também caíram. Duas quebras do mercado imobiliário haviam afastado os investidores deste mercado em meados da década de 1990. As ações eram o único jogo disponível. As relações P/L das companhias com lucros em crescimento mas estáveis dispararam, com as blue chips gozando de uma popularidade sem precedentes. Então, o crescimento dos lucros parou - e com ele a supremacia das blue chips. Segundo o Goldman Sachs, os lucros por ação divulgados pelas empresas componentes do índice S&P 500 caiu de US$ 50 em 2000 para US$ 17,50 em 2002. As 100 maiores ações perderam 53%. Assumindo um retorno anual médio de 8%, seria preciso 17 anos para a Cisco Systems atingir o nível em que estava em 2000; a Microsoft precisaria de 10 anos, a GE de 8; e a Disney de 6.
As ações menores estão se saindo muito melhor por dois motivos. Para começar, suas avaliações não subiram muito. E depois, as empresas menores são mais ágeis que as grandes e podem se adaptar mais rapidamente a condições econômicas em mutação. Enquanto os lucros das blue chips caíam em 2002, os lucros das companhias de pequena capitalização de mercado componentes do índice S&P 600 cresciam 20%, e depois 15% e 28% nos dois anos seguintes. Os investidores procuraram o valor relativo das pequenas e médias empresas, que vêm proporcionando um retorno anual médio de 15% e 13%, respectivamente, desde março de 2001. As ações de empresas de pequena capitalização de mercado já foram consideradas muito mais arriscadas que as das grandes empresas. O crash dos lucros das grandes empresas mostrou que até mesmo as festejadas blue chips são arriscadas.
A questão é que período foi uma aberração: 1982-2000 ou 2001-2006? A história parece apontar para o primeiro. Segundo a Ibbotson Associates, as ações de empresas de pequena capitalização de mercado vêm proporcionando um retorno anual de 11,7% desde 1926, em comparação a uma rentabilidade de 9,8% das empresas de grande capitalização de mercado. Conforme brincou certa vez Herb Stein, presidente do Conselho de Consultores Econômicos do presidente Richard Nixon, "se alguma coisa não consegue seguir para sempre, ela vai parar".
Os fundos de hedge intensificaram a mudança para as ações de pequenas empresas. Em 1982 eles eram concorrentes menores. Mas decolaram no fim da década de 1990 e especialmente nesta década. Seus sistemas mais desenvolvidos de coleta de informações permitem a detecção de oportunidades de lucros em pequenas empresas. E talvez o mais importante: os negociadores de fundos de hedge seguem tendências, correndo em manadas "para" e "de" classes de ativos. No momento a tendência favorece as ações de pequenas empresas. "Se você apontasse uma arma para a minha cabeça", diz O´Shaughnessy, do Bear Stearns, "eu diria que as ações de pequenas empresas continuarão pulsando por 20 anos."
-------------------------------------------------------------------------------- Praticamente tudo está superando as blue chips, imóveis, commodities, metais preciosos e ações internacionais --------------------------------------------------------------------------------
E não são apenas essas ações, chamadas de "small caps", que estão dominando o mercado. As blue chips estão sendo esmagadas por praticamente tudo nos mercados internacionais. O mercado de ações da Coréia do Sul subiu 54% no ano passado; o da América Latina 55%, e o da Arábia Saudita, 108%. A Rússia e o Japão, que está reemergindo, deram retornos de 87% e 42%, respectivamente. Nos últimos cinco anos, o índice S&P Citigroup Emerging Market Index deu um retorno de aproximadamente 17% ao ano, ligeiramente melhor que os retornos registrados pelas blue chips americanas de 1982 a 2000. Será que os mercados emergentes conseguirão mostrar um retorno parecido por um período de 18 anos?
Houve um tempo em que investidores em busca de uma exposição aos mercados internacionais e emergentes teriam comprado ações de uma grande multinacional americana, que supostamente oferecia transparência e governança sólida, e nada do capitalismo camarada encontrado nos mercados emergentes. Então, os escândalos corporativos estouraram, e as companhias americanas passaram a ser vistas sob um prisma diferente. Hoje em dia, as apostas nos mercados estão colhendo o benefício da dúvida em relação às gigantes americanas. Por exemplo, as ações do Bradesco, que são negociadas nos EUA na forma de American Depositary Receipts (ADR), valorizaram mais de 370% desde 2001. As ações do Citigroup ganharam apenas 12%, apesar da presença do banco não só no Brasil, mas também na China, Índia, Coréia do Sul, México, Filipinas, Polônia, Rússia e quase 100 outros países. No todo, o Citigroup conseguiu 41% de seu lucro líquido de 2005 nos mercados internacionais. Mesmo assim os investidores estão claramente preferindo as ações do Bradesco.
É difícil argumentar, em vista do crescimento que essas nações estão registrando. Segundo estatísticas do Fundo Monetário Internacional (FMI), Brasil, China, Índia e Rússia foram responsáveis por 30% do crescimento da demanda mundial em 2005, mais que o dobro do número de cinco anos antes. E a fome por ações internacionais também está muito grande. Desde 2003 as captações líquidas dos fundos mútuos de ações internacionais mais do que triplicaram, para US$ 150 bilhões, enquanto as captações dos fundos americanos caíram de US$ 154 bilhões para US$ 64 bilhões. Em janeiro, os fluxos para os fundos de ações estrangeiros quase duplicaram em relação a dezembro.
A explosão dos fundos de baixos custos negociados em bolsas de valores (ETFs, na sigla em inglês) apenas acelerou o avanço, tornando ainda mais fácil para os investidores comuns pular no barco dos mercados emergentes. A Barclays Global Investor oferece hoje 37 ETFs globais com ativos sob administração de US$ 72 bilhões, em comparação a 24 fundos e US$ 2 bilhões em ativos em janeiro de 2001. Alguns argumentam que os mercados emergentes emergiram definitivamente. "A história estrutural mudou", diz Thomas Melendez, gerente de portfólio associado do MFS Emerging Markets Eqyity Fund, que nos últimos três anos obteve uma rentabilidade anual de 38%. Os mercados emergentes, segundo ele, continuarão crescendo, se diversificando e fazendo faxina em suas posições fiscais.
Veja só o surgimento das "red chips", a maiores e melhores companhias da China. Elas não possuem a estabilidade das empresas ocidentais e podem carregar o risco de uma grande intervenção do governo. Mas nos próximos anos as red chips deverão ficar cada vez mais "blue". A demanda pelas ações no processo de abertura de capital do Banco Comercial & Industrial da China, uma das maiores instituições financeiras do país, que deverá ocorrer este ano, deverá ser forte. O Goldman Sachs já separou US$ 2,58 bilhões por participação de 7%, adiantando-se a uma abertura de capital que poderá levantar US$ 12 bilhões e ser uma das maiores em todos os tempos.
Mesmo assim, apesar do prolongado rally, as ações das empresas dos mercados emergentes estão sendo negociadas abaixo de suas médias históricas, com base nas relações de P/L e preço sobre fluxo de caixa. "A história dos mercados emergentes tem ramificações para os próximos dez anos", afirma Melendez.
Na verdade, o lendário investidor Warren Buffett, que fez fortuna com grandes investimentos em blue chips como Coca-Cola e Gillette, recentemente revelou que fez grandes apostas em quatro grandes índices de ações, três fora dos Estados Unidos. Compartilhe ou não você desse otimismo, está claro que as grandes ações americanas nunca enfrentaram concorrência tão grande pelos dólares dos investidores. Com quase tudo o mais funcionando, por que os investidores deveriam se preocupar com as blue chips?
Prever os grandes pontos de virada do mercado é algo que já se mostrou perigoso para investidores, acadêmicos e publicações de finanças e negócios. Mas as classes de ativos se movem em ciclos discerníveis, subindo e caindo por períodos prolongados de tempo. As commodities, por exemplo, dominaram os anos 1970, caíram por duas décadas e ressurgiram recentemente.
Estrategistas, citando o argumento cíclico, vêm prevendo um retorno das blue chips há 18 meses. Ele ainda não aconteceu. "Os clientes nos apertam: ´Nós demos atenção às pessoas que estavam otimistas com as blue chips no ano passado e não funcionou´", diz Tobias Levkovivh, principal estrategista de ações do Citigroup para os EUA. "Os otimistas estão dizendo a mesma coisa este ano, e ainda não está funcionando." O grau de "abandono" das blue chips é admirável. "Quando compramos uma ação de uma grande empresa, nós ouvimos: ´Como vocês podem comprar isso? Não acontece nada com ela há cinco anos´", diz Ron Muhlenkamp, gerente do Muhlenkamp Fund, que administra US$ 3,2 bilhões e tem grandes posições em várias blue chips.
Mas apostar contra o fluxo dos fundos, o sentimento preponderante e as tendências têm tornado ricos investidores "do contra" ao longo dos anos. "A hora de fazer dinheiro", disse Lord Rothschild, "é quando há sangue nas ruas." As grandes ações estão claramente machucadas. "Na verdade dói dizer isso novamente", escreveu Trennert, da ISI, em 27 de fevereiro, em uma nota a clientes, "mas nós acreditamos que as ações das empresas com grande capitalização de mercado já eram".
Alguns dos sinais de que as blue chips estavam sobrevalorizadas na década de 1990 estão aparecendo agora nas small caps. O índice Russell 2000 mostra um P/L estimado de 25, um ágio de 10 pontos sobre o P/L de 15 do índice S&P 100. "No fim das contas, o que vale mesmo nos mercados financeiros é a avaliação", diz Trennert. Se a avaliação é o rei, o caixa é a rainha. Segundo a agência Moody´s Investors Service, as companhias não-financeiras dos EUA detêm hoje um recorde de US$ 1,5 trilhão em caixa - duas vezes mais que há apenas sete anos, com as blue chips sentadas sobre a maior parte desse dinheiro. Mais cedo ou mais tarde, o chamado dos fundos de hedge ativistas será ouvido. "A verdadeira oportunidade no momento é o patrimônio dos acionistas não puncionado", diz Trennert. Ataques a umas poucas grandes companhias poderão elevar os preços das ações. E os diretores executivos de outras grandes empresas poderão começar a gastar em recompras de ações, dividendos e aquisições, para matar no berço potenciais desafios lançados por ativistas.
Os dividendos podem ser um componente poderoso do retorno total. As ações da DuPont, por exemplo, subiram apenas 0,5% nos últimos cinco anos. Mas o aumento e o reinvestimento de dividendos elevou o total para 18,5%. Para a Microsoft, os números são de 0,8% e 15,2%. A alta das taxas de juros tornará essas grandes reservas de caixa ainda mais atraentes. "Se os rendimentos dos bônus subirem, as empresas serão pressionadas a fazer mais com seus caixas", diz Marc Freed, diretor-gerente da Lyster Watson & C., uma administradora de fundos de fundos de hedge de Nova York. Os investidores não iriam mais tolerar um caixa inativo nos balanços, se dá para fazer um bom uso dele.
Ao mesmo tempo, os juros em alta afetariam as empresas de menor porte, que são mais dependentes dos empréstimos de curto prazo. Portanto, enquanto as blue chips poderão gastar seus caixas de maneiras que beneficiem os acionistas, as pequenas empresas poderão ver seus lucros caírem por causa do aumento dos custos de financiamento. Isso mudaria a percepção sobre as small caps, de um investimento que não pode ser perdido, desencadeando uma volta às blue chips - o longamente aguardado vôo para a qualidade.
Mas não espere que 2006 dê início a mais um período de alta de 20 anos para as blue chips. "A realidade", diz Edward Yardeni, da Oak Associates, "é que vivemos em um mundo que nunca foi tão competitivo." As grandes ações americanas terão que brigar com as red chips, small caps, ETFs de ouro e todas as novas questões que surgirão nos próximos anos. A boa notícia? Mercados financeiros cada vez mais complexos significam mais oportunidades para os investidores - e, se elas forem bem aproveitadas, menos riscos. (Tradução de Mário Zamarian)