Título: Crédito a mutuário volta a crescer
Autor: Janes Rocha
Fonte: Valor Econômico, 27/04/2006, Finanças, p. C1

A queda dos juros dos títulos públicos, a entrada das construtoras no mercado de capitais e a recuperação da renda dos trabalhadores colocaram os mutuários de volta ao foco dos bancos no primeiro trimestre de 2006.

Em busca de rentabilidade, as instituições financeiras estão ampliando ainda mais a oferta de crédito para a compra de imóveis. No primeiro trimestre deste ano, de R$ 1,574 bilhão liberado para o crédito imobiliário, 62% foram emprestados aos mutuários e 38% para as construtoras, segundo dados da Associação Brasileira das Instituições de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).

Das 20.289 unidades financiadas, 71% foram direto para os compradores e 38% para as construtoras. O volume total de empréstimos ao setor cresceu 74% nos primeiros três meses do ano comparado a igual período de 2005. No ano passado, os grandes beneficiários dos recursos foram as construtoras. O financiamento à produção de imóveis representou 58,3% do volume em reais e 56,6% das 60.768 unidades financiadas. Foi a primeira vez que as construtoras receberam mais dinheiro dos bancos que os mutuários desde o ano 2000. De lá para cá, o mercado sofreu uma transformação.

O crédito imobiliário vive um "boom" no país, mas está apenas no começo. Nos próximos três anos, só os bancos Bradesco, Itaú, Unibanco e Nossa Caixa vão liberar para o setor imobiliário perto de R$ 20 bilhões. É mais do que liberaram nos últimos 20 anos, calcula o analista Pedro Guimarães, do Banco Pactual, em relatório sobre o tema distribuído aos clientes do banco e elaborado com base nos dados da Associação Brasileira das Instituições de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).

Nos últimos dez anos, segundo a Abecip, as novas concessões de financiamento à casa própria aumentaram 155,4%, atingindo R$ 4,8 bilhões ao fim de 2005. Até o início de 2005, os bancos resistiam a liberar novos recursos para o setor, argumentando falta de demanda - apesar do déficit habitacional superior a seis milhões de unidades. Mudaram a tática, diz Guimarães, forçados pelo Banco Central (BC) a liberar os recursos vinculados ao Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS). "O nome do jogo é FCVS", afirma o analista. O FCVS é uma antiga conta, dos anos 80, criada pelo governo para compensar a diferença de reajustes da casa própria no Sistema Financeiro da Habitação. Contabilizado como crédito a favor dos bancos, é desse fundo que sairão os R$ 20 bilhões.

O volume de operações só não cresce mais, segundo Guimarães, porque as condições do financiamento imobiliário no país ainda não atendem à capacidade de pagamento das famílias com renda média ou média baixa, onde se concentra o déficit habitacional. "Aqui ainda se empresta por 15 anos a juros de 15% a 18% ao ano (incluída a variação da TR que indexa os contratos). Na Turquia, no México e no Chile, as taxas são de 1% ao ano e o prazo chega a 30 anos", compara Guimarães.

Como as ofertas não são boas para os mutuários e os bancos têm que cumprir com a exigência do BC, preferiam emprestar mais para as construtoras, onde os contratos são de prazo mais curto (um a dois anos) e o risco de crédito menor. Mas isso está mudando com a queda dos juros e o maior acesso das construtoras ao mercado de capitais.

"Crédito imobiliário virou um bom negócio para os bancos", diz Luiz Rogelio Tolosa, diretor financeiro da Company, uma das maiores construtoras de imóveis residenciais do país. A Company levantou recentemente R$ 200 milhões com um IPO (sigla em inglês para oferta inicial de ações). Com os recursos do aumento de capital, a companhia já comprou cinco novos terrenos em parceria com incorporadoras, em um investimento total de R$ 56,6 milhões, além de aumentar os percentuais de participação nos empreendimentos.

Nesse processo, "os proprietários de terrenos saíram ganhando porque agora recebem dinheiro vivo, não mais a permuta por imóveis", acrescenta Pedro Guimarães.

Tolosa confirma que há muito mais recursos bancários em oferta para a produção hoje do que menos de dois anos atrás e espera que, finalmente, as construtoras possam se dedicar ao seu negócio principal, a construção, deixando o financiamento dos compradores para os bancos.

Segundo ele, o custo de capital fixo para o setor caiu de uma média de 12% a 15% ao ano para algo entre 10% e 11%, enquanto o custo variável baixou para o equivalente a 1,5% ao ano mais a variação da TR. Além disso, conta Tolosa, o percentual financiado do custo da obra aumentou.

"Ao longo de 2005, as construtoras passaram a fazer lançamentos para a classe média e baixa. Este ano vemos uma velocidade maior na aquisição desses lançamentos", afirma Décio Tenerello, presidente da Abecip. "Nossa expectativa é de uma oferta ainda maior de unidades entre R$ 100 mil e R$ 250 mil", completa Tenerello, repetindo que, para os bancos, o mercado imobiliário passou a ser visto "como um bom negócio e não só como uma exigibilidade".

Para Pedro Guimarães, se o país continuar crescendo e os juros continuarem baixando, as prestações dos financiamentos vão baixar até ficar igual ou menor que a do aluguel e os empréstimos tendem a crescer ainda mais, consumindo a oferta adicional. Mas, para o analista, os bancos ainda precisam melhorar a oferta de crédito, com planos de taxa prefixadas e prazos maiores. Décio Tenerello acha que as condições do crédito só vão melhorar quando a taxa de juros real baixar para algo em torno de 8% ao ano - hoje está próximo de 10% ano ano.