Título: Bancos derrubam os mercados
Autor: Travaglini, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 19/08/2011, Finanças, p. C1

Os mercados internacionais passaram ontem por mais um dia de forte turbulência, com temores de uma nova recessão. As preocupações vieram de notícias ruins tanto da Europa quanto dos Estados Unidos. Por um lado, a percepção é que aumentou o risco de um aperto de liquidez no sistema bancário da zona do euro. Ao mesmo tempo, números da atividade americana já sinalizam uma desaceleração ainda mais acentuada da principal economia do mundo.As maiores perdas de ontem vieram das ações dos bancos, puxadas por notícias de que o Banco Central Europeu (BCE) emprestou dólares a uma instituição na zona do euro pela primeira vez desde fevereiro. O jornal "Wall Street Journal" também revelou que os órgãos reguladores americanos decidiram apertar a fiscalização sobre as filiais de bancos europeus.

Esses fatos deflagraram uma piora nas condições de empréstimos entre os bancos. A taxa cobrada no mercado interbancário europeu, a Libor, subiu e se descolou da taxa dos "fed funds" (overnight americano), num sinal de aperto da liquidez na Europa. O índice que mede a diferença vinha caindo desde o fim da semana passada e voltou a subir ontem, indo a 0,667 ponto (a média anual é de 0,3). O patamar está longe do nível atingido em 2008 (2 pontos), mas ligou o sinal de alerta para investidores e as ações de bancos desabaram.

"O crédito bancário é o que faz o contato entre as bolsas e as pessoas normais", explica Luis Otavio de Souza Leal economista-chefe do Banco ABC Brasil. "É onde Wall Street se encontra com Main Street", diz, usando a expressão dos americanos para se referir ao cidadão comum, que anda na rua.

O economista não acredita que o cenário seja o mesmo de 2008. Para que de fato haja uma piora nos negócios entre os bancos, é preciso que aconteça uma quebra, como ocorreu há três anos, e a atuação do Banco Central Europeu sugere que a instituição não deixará que isso ocorra, acredita Leal.

Ao mesmo tempo, nos Estados Unidos, um indicador importante da atividade apresentou um número muito menor do que o esperado, o que elevou os riscos de uma nova recessão na maior economia do mundo, o temido duplo mergulho. O índice de atividade industrial do Fed da Filadélfia despencou para -30,7 em agosto, nível só visto em períodos de recessão. De acordo com a pesquisa, as indústrias reportaram queda nas encomendas, nos embarques, nas carteiras de pedidos e também no nível de emprego americano.

Como resultado, as bolsas na Europa fecharam em queda de 4,49% em Londres e de 5,8% em Frankfurt. Em Nova York, o índice Dow Jones encerrou em baixa de 3,67%, aos 10.991 pontos. O índice Vix, que mede a volatilidade das opções na bolsa americana e é visto com um termômetro do medo do mercado, chegou a subir mais de 30% no dia, para 42,23 pontos.

Tanto uma possível crise bancária na Europa, como a chance de uma recessão americana são os dois cenários mais críticos para o mundo, com impactos para o Brasil, afirma Mauro Schneider, economista-chefe do Banif Investment Bank. "Se houver uma ruptura lá fora e atingir o mercado financeiro - por isso bancos estão sofrendo mais -, podemos ter algo parecido com outubro de 2008". Um recessão nos Estados Unidos, por exemplo, afetaria o comércio exterior, os investimentos estrangeiros e chegaria até a confiança de empresários e consumidores brasileiros, diz Schneider.

José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, não consegue, no momento, ver um cenário de melhora das condições mundiais, com crescimento baixo nos EUA por alguns anos. "O resultado já será bom se não houver uma recessão nos Estados Unidos", disse. No Brasil, o dólar comercial teve alta de 0,88%, a R$ 1,599, enquanto a Bovespa teve queda de 3,52% a 53.134 pontos.

Um dos reflexos foi a continuidade na queda dos juros futuros negociados na BM&FBovespa, indicando que o mercado acredita num cenário mais difícil e espera uma resposta monetária do Banco Central (BC). As taxas sugerem uma redução superior a um ponto percentual na Selic até meados de 2012. Segundo Cristiano Souza, economista do Santander, com as perspectivas de atividade mais fraca no exterior, há uma expectativa de que a inflação não seja tão alta no próximo ano, o que abriria a possibilidade de corte de juros. "A queda dos juros futuros ocorre desde a última reunião do BC e com os dados ruins dos EUA. O BC mudou o tom da ata, sinalizando que talvez pare de subir os juros", disse Souza, que acredita em manutenção até o fim de 2012.