Título: Preferência pela educação
Autor: Caldeira, João Bernardo
Fonte: Valor Econômico, 19/08/2011, EU& Fin de semana, p. 22/23

Realizado desde 2001, o Censo Gife (Grupo de Institutos Fundações e Empresas), que reúne as informações sobre o investimento social privado colhidas no biênio 2009-2010, está sendo lançado em versão on-line. Pela primeira vez, a pesquisa inclui um dossiê especialmente voltado para a cultura, elaborado em parceria com o Itaú Cultural. Por meio de entrevistas por telefone feitas pelo Ibope Inteligência, foi mapeado o comportamento de seus associados, que aportam cerca de R$ 2 bilhões anuais à área social.

Rede sem fins lucrativos, o Gife reúne 130 das principais empresas, fundações e institutos do país, como Gerdau, Votorantim, Petrobras, Oi Futuro, Natura, TV Globo, Carrefour e Santander. Para aprimorar os investimentos no setor cultural e levantar dados no âmbito da reforma da Lei Rouanet, a pesquisa traz à tona informações relevantes sobre a posição do empresariado em assuntos como uso das leis de incentivo, efeitos da crise mundial e áreas e parceiros apontados como mais atraentes.

Normalmente situados como espectadores dos embates entre poder público e classe artística, os empresários têm a oportunidade de exprimir, por meio do estudo, opiniões, conceitos e preferências sobre a participação do setor privado na área cultural. Já a sociedade tem a chance de entender quais são os critérios que norteiam o aporte de boa parte dos recursos que financiam a cultura no Brasil.

Nos últimos anos, questões como a concentração regional e a dificuldade em catalisar recursos para iniciativas de menor visibilidade estiveram no centro das discussões promovidas pelo Ministério da Cultura (MinC). Em bandeira levantada pela própria pasta, os desequilíbrios oriundos dos mecanismos de incentivo serviram de argumento para que se defendesse a reformulação do investimento em cultura. Foi nesse contexto de polarização e debate que se produziu o atual dossiê, no intuito de gerar dados praticamente inexistentes e orientar as ações dos associados. "As discussões e críticas do MinC até o ano passado criaram um contexto de insegurança jurídica, já que se temia pela súbita mudança de regras", diz Fernando Rossetti, secretário-geral do Gife.

A sabida concentração no Sudeste foi confirmada: a região recebe mais de 60% dos recursos. Também não causou estranheza a conclusão de que o benefício fiscal é visto como burocrático e inadequado por boa parte dos entrevistados ou não se aplica à maioria das empresas. Por outro lado, entre os dados surpreendentes colhidos está a projeção do que ocorreria caso as regras das leis de incentivo - federais, estaduais ou municipais, responsáveis por alavancar de 70 a 80% dos recursos - fossem alteradas. Se elas deixassem de existir, apenas 5% afirmaram que não investiriam mais no setor. "O estudo mostra que, embora o incentivo fiscal de fato atraia o empresariado, não é o único fator determinante", avalia.

ONGs abocanham 68% dos aportes por inspirar maior credibilidade e confiança. Os produtores culturais só conseguem 5%

Questionados sobre o que aconteceria caso introduzida a obrigatoriedade de contrapartidas financeiras do investidor, como defendia o ex-ministro da Cultura Juca Ferreira, 36% afirmaram que o investimento permaneceria inalterado, enquanto 48% responderam que diminuiria, mostrando divisão nesse quesito.

Outro dado relevante é a constatação de que a maior parte das empresas que usam os mecanismos de renúncia investe até R$ 500 mil por ano, o que corresponde a 25% dos associados pesquisados. Só 9% das companhias investem de R$ 500 mil a R$ 2 milhões e 14%, entre R$ 2 milhões e R$ 8 milhões. Mas a maioria do empresariado, 36%, não teve recursos provenientes das leis de incentivo. "No Brasil, esses mecanismos são destinados apenas às empresas que declaram imposto por lucro real", informa Rossetti. "As que calculam o seu imposto por lucro presumido correspondem a mais de 90% das companhias existentes no país e não podem utilizar dinheiro incentivado", lamenta.

Causou surpresa também a constatação de que os valores investidos em 2009 sofreram uma queda considerada pequena, de 5%, mesmo com a crise mundial iniciada no ano anterior. Houve até mesmo aumento de investimentos, em 2010, da ordem de R$ 126,3 milhões. Em comparação com os anos anteriores do Censo Gife, fica claro que uma mudança de mentalidade ocorreu. "O investimento social tornou-se uma estratégia importante de posicionamento das empresas e não é mais visto como um apêndice", afirma Rossetti. Além disso, o executivo ressalta o fato de que o Brasil entrou em um ciclo favorável de crescimento: "Só no ano passado o país saltou de 18 para 30 bilionários, o que pode significar o surgimento de 30 novas organizações filantrópicas."

O reconhecimento da importância dos investimentos sociais, no entanto, tornou a área de educação a preferida do empresariado. "Há o consenso de que a melhoria na educação é a principal ferramenta para dar continuidade ao processo de desenvolvimento econômico e de inclusão social em curso no país", explica. Ainda são pouquíssimos os associados que se dedicam prioritariamente à cultura (só 4%). Dos entrevistados, 35% afirmaram que não investem no setor, enquanto 25% realizam ações apenas circunstancial ou esporadicamente.

Além disso, o patrocínio ao setor cultural muitas vezes ainda é visto como ferramenta de retorno de imagem, uma filosofia que o Gife trabalha para modificar, promovendo debates sobre o tema. "Defendemos que a gestão dos investimentos seja realizada pelo departamento de responsabilidade social e não pelo marketing ou a comunicação, que possuem outro direcionamento", sublinha Rossetti.

No momento de decidir onde alocar as verbas disponíveis, a produção cultural propriamente dita não é escolhida como parceira preferida. Na primeira colocação, as ONGs abocanham 68% dos aportes realizados, por inspirar maior credibilidade e confiança. Museus ou centros culturais e poder público vêm a seguir. Na nona posição, depois de parceiros como consultores, escolas e institutos, estão os produtores culturais, que conseguem capitalizar apenas 5% dos investimentos.

Ao definir o tipo de atividade cultural a ser apoiada, mais da metade dos empresários que investem no setor opta pelas iniciativas de arte-educação com jovens de baixa renda e de democratização do acesso da população. O apoio às manifestações culturais responde por 20% dos investimentos. Embora a visibilidade das iniciativas apoiadas seja ainda relevante critério de seleção, o estudo revela, entre outras constatações, que o empresariado está cada vez mais interessado em ações que vislumbrem a transformação social.