Título: País deve corrigir desajustes antes que cenário externo mude, dizem economistas
Autor: Denise Neumann
Fonte: Valor Econômico, 20/04/2006, Brasil, p. A2
O Brasil precisa corrigir diversos entraves microeconômicos ao crescimento, mas sem consertar seu desajuste macroeconômico corre um sério risco de "levar um tombo". A opinião é de dois economistas de escolas distintas, Luis Paulo Rosenberg, da Rosenberg & Associados, e Luciano Coutinho, da LCA Consultores. Para ambos, o cenário internacional extremamente benigno encobre a herança ruim que se acumula em decorrência do tripé formado por juro alto, câmbio valorizado e excesso de gasto público. E o pior: a "janela de oportunidade" dada pela economia mundial "já está sendo fechada", como argumenta Rosenberg. Marisa Cauduro/Valor Economista Luciano Coutinho, da LCA Consultores: Previdência é a principal fonte de desequilíbrio de gasto público
Em algum momento no futuro próximo, concordam os dois economistas, a China vai começar a crescer menos, o déficit americano terá que ser controlado (levando a uma retração no ritmo de consumo do país e de sua população) e os preços das commodities vão arrefecer. Quando esse cenário se confirmar - com maior ou menor impacto sobre a economia mundial - o Brasil será pego com uma enorme distorção de preços internos provocado pelo câmbio valorizado. Aí, o tripé "desarrumado" vai ficar claro, concordam Rosenberg e Coutinho.
Com o país crescendo perto de 4%, com as contas externas em ordem e com a inflação sob controle, falar que existe uma "distorção cavalar na economia fica parecendo discurso de quem torce contra", observa Rosenberg. "Mas o fato é que o país está desperdiçando capacidade de crescimento por conta do câmbio fora do lugar", insiste ele. E o vilão do câmbio, argumenta, é o juro alto.
Coutinho insiste na necessidade do governo (deste e do próximo) conter o gasto corrente, que tem crescido em média 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) ao ano nos últimos quatro anos. Ou seja, a farra vem do governo anterior e foi mantida na gestão petista. Na sua avaliação, a principal fonte de desequilíbrio de gasto público é previdenciária. Ele defende tanto novas medidas de reforma do atual regime como uma melhor gestão da Previdência Social. "Há que se discutir tabus como o fato de a mulher poder se aposentar cinco anos antes do homem. Por que esse prazo não pode ser menor?", questiona, deixando claro que isso não é uma proposta.
Rosenberg e Coutinho participaram, ontem, de pequeno debate organizado pela Serasa para lançar o livro "Alternativas para o desenvolvimento do Brasil: discussão de uma agenda microeconômica", resultado de um dia de debates sobre o tema em dezembro de 2005. No livro, o economista Cláudio Adilson Gonçalez, diretor-presidente da MCM Consultores Associados, vai mais longe na crítica à Previdência. Ele pondera que a tarefa de reduzir as despesas públicas vai exigir revisão das políticas sociais, o que torna a função "um problema político dramático". "O gasto público cresceu porque cresceram as transferências às pessoas (...) Faz-se justiça social, pois o país é pobre. O diabo é que ela não gera uma contrapartida produtiva", pondera Gonçalez, no trabalho que apresentou à Serasa.
Rosenberg já está convencido de que, este ano, o governo não vai cumprir o superávit primário de 4,25% do PIB prometido. "A torneira de gastos já foi aberta no ano passado e não tem mais como a meta ser cumprida", argumenta, lembrando que em fevereiro o superávit em 12 meses já está em 4,38% do PIB e o orçamento federal nem estava aprovado. "E se cumprir, vai ser da pior maneira possível, que é com corte de investimento", acrescenta Coutinho.