Título: Arrecadação pode ficar menor que o previsto, diz Velloso
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 20/04/2006, Brasil, p. A4

O economista Raul Velloso faz uma advertência: o cumprimento da meta de superávit primário deste ano está em risco. Especialista em contas públicas, Velloso teme que a arrecadação prevista no Orçamento não se concretize, o que dificultaria a obtenção de uma economia para pagar juros equivalentes a 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB), num cenário de forte crescimento das despesas públicas obrigatórias (como os gastos previdenciários e assistenciais). Cacalos Garrastazu/Valor Velloso: novo foco da política fiscal deve ser reduzir os gastos obrigatórios, equivalentes a 91% das despesas não-financeiras

Para ele, esse risco é um sinal de que se esgotou o modelo atual de obtenção de superávits primários, baseado em aumento simultâneo de receitas e despesas e na contenção de investimentos públicos. Velloso afirma que o novo foco da política fiscal deve ser a redução dos gastos obrigatórios, que equivalem a 91% das despesas não-financeiras do governo federal. Ele participou ontem de evento na Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F), que discutiu a questão fiscal e o desenvolvimento do mercado de capitais.

Velloso avalia que o governo terá de fazer cortes significativos no Orçamento, repetindo o procedimento que ocorre todos os anos após a aprovação pelo Congresso. Para ele, o contingenciamento de despesas deve ficar na casa de R$ 16 bilhões, concentrando-se principalmente em investimentos. Como o Orçamento é bastante rígido, há pouca margem de manobra para redução de outros gastos.

A grande preocupação de Velloso dessa vez é quanto ao comportamento da receita. O projeto aprovado pelo Congresso estima que a arrecadação sob responsabilidade da Receita Federal deve ficar em 17,3% do PIB, um pouco acima dos 17,2% do PIB de 2005. Para Velloso, há incertezas quanto à viabilidade desse número, entre outras coisas porque ainda não se sabe qual será exatamente o impacto sobre a arrecadação de medidas de renúncia fiscal, como a "MP do Bem" . Além disso, ninguém espera que a receita com o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) repita neste ano o desempenho registrado em 2005.

De outro lado, as despesas crescem com força, principalmente as obrigatórias, como as previdenciárias e as assistenciais - como o Bolsa-Família e as ligadas à Lei Orgânica de Assistência Social (Loas), que garantem um salário mínimo para quem não contribuiu com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e tem mais de 65 anos ou é inválido. Ele estima que o superávit da União deve cair de 2,9% do PIB, em 2005, para 2,3% do PIB neste ano, em boa parte devido ao crescimento dessas despesas. Segundo ele, os gastos obrigatórios vão passar de 16,5% para pelo menos 16,9% do PIB nesse período.

Como existe a possibilidade de piora do desempenho fiscal de Estados e municípios num ano eleitoral, há o risco de que o superávit primário fique abaixo da meta de 4,25% do PIB, se a receita não corresponder ao previsto no Orçamento. Nos 12 meses terminados em fevereiro, o saldo ficou em 4,38% do PIB. Anteontem, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, reiterou a disposição do governo de cumprir a meta.

Se a ameaça de não-cumprimento aumentar ao longo do ano, Velloso acredita que o governo vai lançar mão do velho expediente de segurar investimentos, ainda que 2006 seja um ano de eleições. Em 2005, a União gastou efetivamente R$ 10 bilhões com inversões, número que pode ser ainda menor neste ano, avalia.

O baixo nível de investimento e a impossibilidade de aumentar ainda mais a receita mostram que a saída para a política fiscal passa pela redução das despesas obrigatórias, segundo Velloso. "O ajuste não é duradouro e deprime a taxa de crescimento de longo prazo. O atual modelo de superávit primário está esgotado."