Título: Saída de Portman leva países a adiarem propostas para Doha
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 20/04/2006, Brasil, p. A5

O G-20 e outros grupos suspenderem a apresentação de propostas nas negociações agrícola e industrial, em meio à surpresa com a substituição do principal negociador comercial dos Estados Unidos, Robert Portman, num momento decisivo da Rodada Doha. Nos Estados Unidos, alguns analistas vêem a saída de Portman para outro cargo na Casa Branca como indicação de que o governo Bush não espera nenhum acordo proximamente na Organização Mundial do Comércio (OMC). Leo Pinheiro/Valor Furlan: "É como substituir o Ronaldinho na metade do segundo tempo"

"A mudança reconhece o óbvio, de que há poucas chances de a Rodada Doha ser concluída este ano"', disse a jornais americanos Jeffrey Schott, ex-negociador comercial americano, hoje membro do Institute for Internacional Economics, em Washington. "Foi uma mudança estranha pelo momento em que ocorreu e mostra que a prioridade (americana) é interna", avalia o embaixador da Índia na OMC, Ujal Signh Bhatia. "Não dá para fazer movimentos agora."

O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, preferiu usar uma metáfora para comentar a saída de Portman das negociações: "É como substituir o Ronaldinho na metade do segundo tempo." Furlan se refere à proximidade do prazo do fim de abril estabelecido pelos negociadores para avançar nas discussões da OMC.

O G-20, grupo liderado pelo Brasil na negociação agrícola, resolveu esperar para colocar na mesa proposta intermediária sobre o tratamento de produtos sensíveis (que terão corte tarifário menor), entre a timidez da União Européia e a ambição dos Estados Unidos.

Também o grupo "Nama 11", do qual o Brasil participa com Argentina, Índia, África do Sul e outros na negociação industrial, arquivou por enquanto a idéia de propor uma nova fórmula para cortes de tarifas de importação de bens de consumo e industriais.

Diante da opinião generalizada de que o prazo fixado - o fim deste mês -para um acordo inicial sobre corte de tarifas e subsídios já foi perdido, o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, passou a telefonar ontem para vários ministros, para sondar a disposição de virem a Genebra para uma reunião. Um dos objetivos é fixar nova data para um acordo sobre modalidades (como fazer os cortes) e indicar que a rodada não está paralisada. A data mais provável é 31 de julho, para dar tempo a enormes trabalhos técnicos que serão depois necessários para concluir a rodada.

Mas as posições divergem inclusive dentro do G-20. O embaixador brasileiro Clodoaldo Hugueney deixou claro que o Brasil apóia uma reunião ministerial rapidamente. Já o embaixador da Argentina, Alberto Dumont, considera a iniciativa muito arriscada, porque "ministros devem ser reunir para apresentar êxito e isso não está à vista".

A idéia discutida pelo ministro Celso Amorim com Portman, por telefone - tentar anunciar alguns entendimentos em pontos menos polêmicos - é questionada por vários negociadores, por acharem difícil um equilíbrio, também nesse caso, entre interesses de exportadores e importadores.

Refletindo uma certa exasperação, ministros de Comércio do México, Peru, Chile e Colômbia enviaram carta a Lamy insistindo que "o momento é agora" para todas as partes fazerem concessões significativas para a rodada avançar. Para esse grupo, o que não dá mais é o jogo de pingue-pongue entre Brasil, Índia, EUA e União Européia, cada um jogando para o outro a responsabilidade para tomar o primeiro passo.

O embaixador Hugueney reiterou que as articulações prosseguem de maneira intensa. As reuniões se sucedem, sempre pavimentando o terreno para decisões que os ministros vão ter de tomar. Hoje, haverá reunião de altos funcionários do G-6 (Brasil, União Européia, Estados Unidos, Índia, Austrália e Japão), mas a expectativa de os americanos colocarem algo na mesa também parece mínima, com a mudança no comando negociador em Washington. (Colaborou Raquel Landim)