Título: Fundo Monetário se move à procura de um novo papel
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 20/04/2006, Opinião, p. A14

O Fundo Monetário Internacional ensaia a sua mais profunda reforma desde que foi criado em 22 de julho de 1944, na Conferência de Bretton Woods. Transformações radicais da economia mundial influíram na forma de operação do FMI, como o fim do padrão ouro, mas sua estrutura de poder manteve-se quase inalterada nos últimos 60 anos. As iniciativas tomadas pelo diretor-gerente Rodrigo de Rato apontam para uma distribuição do poder de voto mais adequada ao peso econômico atual dos sócios do Fundo e à mudança de foco do trabalho principal da instituição, de monitoramento e vigilância financeiras globais. Discussões a respeito ocorrem há um bom tempo, sempre inconclusivas.

Um dos motivos que empurram o Fundo para a transformação é o aparecimento de novas potências econômicas e uma alteração da força relativa entre as economias dos países desenvolvidos. Os exemplos mais óbvios são os da escalada econômica da China e da Índia, a uma velocidade que tem surpreendido o mundo e alterado as cadeias de produção globais. Desde o fim da Segunda Guerra, porém, emergiram potências médias que em seu conjunto alteraram o panorama da economia mundial - entre os asiáticos, é o caso da Coréia do Sul, e entre os latino-americanos, os de Brasil e México. Os EUA estão onde sempre estiveram como a maior economia do mundo - são o maior sócio do FMI, com poder de brecar qualquer iniciativa -, ao lado de Japão e Alemanha. A participação relativa no Fundo dos países que hoje formam a UE parece superestimada. Quem vai ceder o que, quanto e para quem é uma equação intrincada, que envolve graves disputas políticas.

Rodrigo de Rato, entretanto, encontrou uma forma de evitar um enfrentamento improdutivo e pelo menos para dar início ao processo de revisão. Os países que julgarem ter direito à correção de cotas angariarão apoio junto aos demais sócios do Fundo para sua reivindicação. Um rearranjo prévio pode dar uma idéia preliminar dos principais atores do jogo e de suas pretensões. Com isso será possível, em tese, convencer os maiores sócios a abdicarem de parte do poder que detêm.

Outro dos motivos por atrás da necessidade de reformas é a emancipação virtual da maioria dos países da tutela financeira do FMI. A mais longa onda de prosperidade do pós-guerra e, depois, uma onda de liquidez que derrubou as taxas de juros a seus menores níveis globais em 50 anos, deixaram sem fila o o guichê de ajuda financeira do Fundo. A maior parte dos países emergentes tem reservas internacionais abundantes, em vários casos muito acima das que seriam necessárias para fazer frente a eventuais crises. Alguns dos maiores tomadores, como Brasil e Argentina, anteciparam pagamentos e quitaram suas dívidas. De maneira geral, mesmo os países da América Latina melhoraram sua situação fiscal e deixaram de ser os "suspeitos de sempre" na lista dos desencadeadores de turbulências. Ao contrário, hoje a maior ameaça para o sistema financeiro global vem dos desequilíbrios da economia americana.

O diretor-gerente do FMI pisa devagar em um terreno minado. A idéia de criar linha de crédito emergencial, defendida antes pelo Brasil, pode sair do papel e ganhar uma formato mais ágil, à medida que o Fundo concordou em reduzir a sua impressionante lista de condicionalidades para os candidatos à ajuda. A linha incluirá reservas de países, além das do FMI, o que exigirá uma complexa engenharia de regras e garantias. Essa, porém, não é a questão principal. O principal é agora saber para onde deve se dirigir o poder de supervisão e vigilância do FMI.

Rato quer criar uma "fiscalização multilateral", em que se abordaria o riscos para a economia mundial de políticas internas dos países, e pretende que o Fundo faça avaliação franca sobre a situação cambial dos países. O FMI, dessa forma, voltaria a suas origens, de guardião da estabilidade cambial - resta saber se isso é possível hoje. Os EUA aceitam reduzir sua cota se houver pressão pela valorização da moeda chinesa. O Instituto de Finanças Internacionais (IIF) propõe que o FMI não hesite em "recomendar mudanças em parâmetros chaves" e colocar metas para as moedas mais importantes, entre elas o dólar, euro, yen e o renminbi chinês. É improvável que os governos abram mão da política cambial para satisfazer ao FMI, sem dever-lhe um tostão. Essa discussão vital ainda está no começo e não há garantia nenhuma de que chegue ao fim.