Título: Energia potencial
Autor: Luciana Monteiro
Fonte: Valor Econômico, 20/04/2006, Eu &, p. D1
As ações de energia elétrica voltaram a ganhar importância dentro das recomendações dos analistas e na carteira dos investidores. E não é apenas por causa das transmissões da Copa do Mundo, que devem aumentar o número de televisores ligados em todo o país. Depois de relegados a um segundo plano nos últimos três anos, os papéis do setor têm sido beneficiados pelos bons resultados do novo modelo regulatório e pela redução do endividamento em dólar das companhias.
O reflexo no bolso do investidor já pode ser visto: os fundos setoriais de energia são os que registram a maior rentabilidade entre todas as categorias no ano. Até o dia 12, as carteiras que aplicam somente em ações de elétricas rendem na média geral 20,97% frente a 14,86% do principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo, o Ibovespa, segundo dados do site Fortuna. O Índice de Energia Elétrica (IEE), composto por papéis do setor, acumula no período 22,72%.
As elétricas estão colhendo os bons resultados provenientes do novo modelo regulatório do setor e da desvalorização do dólar frente ao real desde o ano passado, diz André Segadilha, analista do setor elétrico da corretora do Banif Primus Banco de Investimento. Com a queda da moeda americana, as empresas fizeram o dever de casa, não só reduzindo o endividamento em dólar como alongando a dívida. Segundo cálculos de Segadilha, o prazo médio do endividamento do setor caiu de cinco para três anos e meio. Outro fator que contribui para o bom desempenho das empresas é o crescimento do consumo de energia, de 4,6% no ano passado - acima do aumento de 2,3% do PIB. Para este ano, ele projeta um aumento, sobretudo no consumo comercial e industrial, da ordem de 5%.
Nos leilões, tanto de energia velha quanto da nova, as companhias de geração conseguiram garantir a venda a longo prazo e a preços mais atraentes do que os do mercado à vista. Isso ajudou na recuperação dos balanços das elétricas, com crescimento do fluxo de caixa, da rentabilidade e dos dividendos. Estudo da Economática com base nos dados de 200 empresas abertas mostra que o setor de energia elétrica aumentou a parcela do lucro reservada para distribuição de 55,3% nos balanços de 2004 para 82,6% em 2005.
O investidor já está ligado na melhora dos resultados financeiros das empresas. Além da valorização em bolsa, houve o crescimento na distribuição de dividendos. Um exemplo é a Cemig, que distribuiu 50% dos lucros de 2005 e a CPFL Energia, que repassou 90%. As principais indicações de Segadilha para o setor são: CPFL, Energias do Brasil, Cemig e Copel.
Outra boa notícia está no nível dos reservatórios - bem acima dos registrados em 2001, quando houve o "apagão" no país, lembra Valmir Celestino, superintendente da Safra Asset Management. E os ganhos turbinados têm chamado a atenção dos investidores (ver tabela acima). O fundo Safra Setorial Energia FI Ações, por exemplo, captou R$ 12 milhões somente neste ano. Segundo o Fortuna, dos R$ 725 milhões que ingressaram em fundos de ações no ano, até dia 12, R$ 112 milhões foram em fundos setoriais de energia.
Mas Celestino alerta que apenas uma parte do dinheiro destinado para renda variável deve ir para carteiras de energia. "Como é um fundo setorial, o risco acaba muito concentrado", diz. Para tentar reduzir a volatilidade aumentando a diversificação, a carteira do Safra aplica não apenas em papéis de elétricas, mas em ações de empresas de gás e petróleo, como Petrobras e Comgás. Hoje, 65% da aplicação está em papéis do setor elétrico e o restante em Petrobras.
A busca pela diversificação também faz parte da gestão do ABN Amro FI Ações Energy, do Banco Real. Segundo Gláucia de Castro Quinto, gerente de pesquisa de renda variável e gestora da carteira, o fundo hoje está com pouco mais de 50% em Petrobras e o restante em ações de empresas de energia elétrica como CPFL e Copel. A carteira tem ainda posições em Comgás e Cosan (produtor de derivados da cana-de-açúcar).
Os analistas lembram que, apesar da melhora do cenário, ainda há alguns aspectos que precisam ser definidos dentro do segmento. Entre eles, a inadimplência das distribuidoras, que é maior que os 2,5% estimados pelo governo, e a revisão de tarifas, com base na eficiência dessas companhias.
Outro aspecto que pode trazer ganhos adicionais para os papéis do setor é a possibilidade de conclusão das privatizações, avalia José Mário Simões, gestor de renda variável da Unibanco Asset Management (UAM). "Boa parte das geradoras ainda está nas mãos do governo", diz. É o caso de Eletrobrás e de empresas estaduais como Cemig, Copel e Celesc. Para ele, o novo modelo trouxe maior previsibilidade dos resultados financeiros das empresas do setor elétrico, o que, junto com a queda do dólar no ano passado, possibilitou uma amortização do endividamento e maior geração de caixa das companhias. "Os resultados devem continuar bastante generosos."
As geradoras de energia são hoje as principais apostas no setor, diz Rubens Monteiro, gerente da divisão de fundos de ações da BB DTVM. Ele cita como exemplo as ações da Tractebel e da AES Tietê. A Cemig, que atua nas áreas de geração, transmissão e distribuição, segundo ele, é uma das melhores pagadoras de dividendos do setor. Ele lembra que a maior parte dos fundos setoriais de energia foram criados em 1997 com a perspectiva de privatização. O BB Ações Energia FIA aplica entre 25% e 40% em ações da Petrobras, dependendo do cenário traçado.
Os fundos setoriais de energia são hoje uma opção de renda variável que oferecem boas possibilidades de retorno e com uma volatilidade muito mais baixa do que nos anos anteriores, diz Simões, da UAM. Giuliano Ajeje, administrador de fundos da UAM, conta que o UBB Energia FI Ações, lançado em 2004, captou só neste ano R$ 38 milhões, saindo de um patrimônio de R$ 16 milhões no início do ano para os R$ 54 milhões atuais.
Celestino, do Safra, lembra que algumas empresas do setor elétrico começaram a ser listadas no Novo Mercado da Bovespa, oferecendo mais transparência. É o caso de Tractebel, CPFL, Energias do Brasil e Light. "Os investidores se mostram mais dispostos a pagar um prêmio maior por essas empresas com boas práticas de governança corporativa."