Título: Sem dissenso, Selic cai a 15,75%
Autor: Alex Ribeiro e Luiz Sérgio Guimarães
Fonte: Valor Econômico, 20/04/2006, Finanças, p. C1
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu ontem por unanimidade promover uma redução de 0,75 ponto percentual nos juros básicos da economia, de 16,5% para 15,75% ao ano. Esta foi a sétima queda da Selic desde setembro de 2005, que coloca a taxa no valor nominal mais baixo em cinco anos.
Na breve nota divulgada logo após a reunião, que durou apenas duas horas e meia - metade da reunião anterior -, a autoridade monetária comunicou somente que "vai acompanhar a evolução do cenário macroeconômico até a sua próxima reunião, para então definir os próximos passos em sua estratégia de política monetária".
Mensagens semelhantes foram usadas pelo BC em comunicados e atas anteriores, como forma de - segundo a leitura de analistas econômicos - não se comprometer de antemão com cortes da mesma magnitude nos próximos encontros. O Copom se reúne em 30 e 31 de maio.
Ricardo Benichio/valor Luiz Fernando Lopes, economista-chefe do Banco Pátria: a tendência é de a Selic sofrer mais uma baixa de 0,75 ponto na reunião de maio
A decisão veio dentro das expectativas do mercado financeiro. A maioria esmagadora esperava um corte de 0,75 ponto percentual, com alguns analistas apostando em uma queda de um ponto percentual. Também houve maior coesão entre os próprios membros do Copom. Ao contrário do que ocorreu em março, quando três membros votaram por um corte de um ponto percentual, a decisão de ontem foi unânime.
As razões do corte de apenas 0,75 ponto percentual só serão conhecidos com exatidão na semana que vem, quando será divulgada a ata do encontro de ontem. Mas o BC já vinha deixando claro, em seus documentos e pronunciamentos oficiais, o que está por trás de sua abordagem gradualista na redução da taxa básica. A preocupação é com os efeitos que os cortes feitos até agora - que, com a decisão de ontem, somam 4 pontos - poderão ter na atividade econômica e na inflação.
Os índices de inflação têm se mostrado benignos (o IPCA de março ficou em 0,43%) e as projeções de inflação para 2006 do mercado (4,43%) e do BC (3,7%, assumindo a hipótese de juros de 16,5% ao ano) estão dentro da meta, de 4,5%. Mas o afrouxamento na política monetária leva cerca de seis meses para afetar o crescimento econômico, e um pouco mais (até nove meses) para chegar à inflação.
O BC vem sustentando a tese de que cortes homeopáticos na taxa vão reduzir os riscos inflacionários, permitindo que o processo de afrouxamento seja mais longo. Se o BC cortar os juros em pelo menos 0,5 ponto na sua próxima reunião, os juros nominais, em 15,25%, terão se igualado ao percentual vigente em fevereiro de 2001, o mais baixo observado desde o Plano Real.
A decisão em si, por amplamente esperada, não teria hoje o poder de alterar a rota otimista traçada pelos mercados financeiros, a despeito dos sucessivos recordes de preço do petróleo. Mas a inclusão de uma pequena advertência no texto do comunicado pós-reunião poderá provocar certa tensão. A frase, embora óbvia e genérica - a de que o Copom irá "acompanhar a evolução do cenário macroeconômico até sua próxima reunião" - já produziu divergências sobre os próximos passos de política monetária. Analistas como o diretor da Modal Asset, Alexandre Póvoa, e o diretor da Global Financial Advisor, Miguel Daoud, entendem que a frase pode querer preparar o mercado para a possibilidade de o BC ter de reduzir a velocidade de queda da Selic.
"Como a frase é inteiramente óbvia, não precisaria ser incluída. Se foi acrescentada é porque o Copom quer indicar alguma coisa", diz Póvoa. E, para ele, a indicação é clara: a piora registrada pelo cenário externo, decorrente da disparada do petróleo e das commodities metálicas, conjugada ao lado fiscal menos austero, poderá exigir do Copom uma pequena correção de rota. A Selic não mais cairia no ritmo de 0,75 ponto, recuaria doravante no compasso de 0,50 ponto. Pelos cálculos de Póvoa, mesmo sem repiques adicionais, o petróleo internacional já está exigindo uma alta de 10% nos combustíveis.
Para Daoud, a sinalização do Copom é de que terá de segurar o juro com o objetivo de valorizar o real e, com isso, conter a inflação pressionada hoje pelo excesso de gastos públicos. "Como não há coordenação entre as partes do governo, a política monetária terá de se contrapor à frouxidão fiscal", diz Daoud.
Já o economista-chefe do Banco Pátria, Luís Fernando Lopes, não viu nem no comunicado nem na unanimidade do placar pelo 0,75 ponto qualquer intenção de alertar o mercado. "Com a volta dos leilões de venda de swaps reversos, o BC mostra que não está preocupado com os eventuais efeitos do cenário externo sobre o dólar", diz Lopes. E o Copom não poderá agir preventivamente com base em "ruídos temporários" ou na suposição de que o esforço fiscal será comprometido no futuro. Para Lopes, a tendência é de a Selic sofrer mais uma baixa de 0,75 ponto na reunião de maio. O diretor-superintendente do Banco Fibra, João Rabello, também acredita na manutenção do atual ritmo de queda.
Apesar da queda de 4 pontos acumulada pela Selic desde setembro, o juro real brasileiro, por qualquer critério de cálculo, ainda é de longe o maior do mundo. Pelo critério utilizado pela consultoria GRC Visão - que compara a Selic nominal de 15,75% com a inflação esperada para 12 meses pelo boletim Focus do BC, de 4,17% - o juro real está em 11,1%. O segundo colocado, Cingapura, paga 7%. Para o Brasil deixar a liderança do ranking, a Selic teria de despencar 5,25 pontos. Pelo critério de juro real ex-ante, que leva em consideração o swap de 360 dias, a taxa está em 10,01%. E pelo critério ex-post, a rentabilidade real paga nos últimos 12 meses, até março, alcança 12,88% (Selic efetiva de 18,89% e IPCA de 5,32%).