Título: Superávit em 2006: motivos para desconfiar
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 19/04/2006, Brasil, p. A2

Não adianta mais o governo dizer que, sim, vai cumprir a meta de superávit primário das contas públicas em 2006. Os números indicam o contrário. A margem de manobra é mínima. O ideal, agora, seria a equipe econômica anunciar como cumprirá a meta de 4,25% do PIB. Enquanto não fizer isso, ficará difícil acreditar em boas intenções.

A deterioração fiscal do governo federal é evidente e começou a acontecer em outubro do ano passado. Não por coincidência, os cofres do Tesouro começaram a ser abertos quando o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, saiu enfraquecido de um embate público com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Até setembro, o superávit primário acumulado em 12 meses era de 5,17% do PIB.

Nos meses seguintes, atingido por denúncias, Palocci ficou ainda mais fraco e sem condições de fechar as torneiras dos cofres públicos. Não conseguiu barrar mais nada. Desde então, imbuído de forte espírito (re)eleitoral, o governo não tem passado uma quinzena sequer sem anunciar uma novidade com impacto negativo nas contas públicas (aumento expressivo do salário mínimo, reajuste dos aposentados, socorro aos ruralistas, criação de benefício fiscal para contratação de empregadas domésticas, elevação das transferências do Bolsa-Família etc.).

Em fevereiro, o superávit acumulado em 12 meses já havia caído para 4,38% do PIB. O economista Eduardo Velho, sócio e economista-chefe da Mandarim Gestão de Ativos, fez um estudo que mostra bem os riscos de descumprimento da meta fiscal nos próximos meses. Observando o desempenho do setor público consolidado (União, Estados, municípios e estatais) no primeiro bimestre, o economista constatou que o governo central foi o responsável por quase metade da deterioração fiscal ocorrida no período.

O superávit primário acumulado em 12 meses, no mês de fevereiro, foi 0,45 ponto percentual inferior ao de dezembro de 2005. O governo central respondeu, sozinho, por 0,22 ponto percentual (48,9% do total) da redução do saldo. Governadores e prefeitos, igualmente em campanha eleitoral, responderam por 0,11 ponto percentual. A menor pressão por aumento de gastos ocorreu na Previdência Social: seu déficit cresceu apenas 0,03% do PIB, como mostra a tabela abaixo.

-------------------------------------------------------------------------------- Governo não diz como vai cumprir meta de 4,25% --------------------------------------------------------------------------------

O problema é que, no segundo trimestre, os gastos da Previdência vão aumentar sensivelmente. Em abril, entrou em vigor o salário mínimo de R$ 350, resultado de um aumento real (acima da inflação) de cerca de 12%, e que é pago a 18 milhões de pensionistas do INSS. Em maio, os benefícios e pensões pagos pelo INSS a quem recebe mais de um salário mínimo por mês virão corrigidos por um aumento de 5%.

Eduardo Velho estima que, em 2006, o déficit do INSS deverá aumentar de 1,97% para 2,4% do PIB ou, numa expectativa mais pessimista, para 2,6% do PIB. Isso faz, portanto, com que a deterioração estimada do déficit do INSS, em relação ao superávit de 4,83% do PIB realizado em 2005, esteja num intervalo entre 0,43% e 0,63% do PIB. Diante disso, explica o economista, levando-se em conta o cenário mais otimista da Previdência, "a margem de tolerância de deterioração do superávit primário, excluído o INSS (ou seja, a expansão líquida dos gastos do governo, fora INSS), para cumprir a meta central de 4,25% do PIB seria de 0,15%".

"Por enquanto, a deterioração fiscal do resultado primário (de 0,45% do Produto Interno Bruto) do primeiro bimestre está dentro da margem de expansão (incluindo INSS) condicionada com o cumprimento da meta central de 4,2% do PIB. Entretanto, no segundo trimestre, a probabilidade de a deterioração superar a margem total de tolerância é significativamente elevada, ou seja, o superávit primário em 12 meses pode ficar abaixo da meta central até junho", adverte o economista da Mandarim.

Intramuros, integrantes da equipe econômica dizem que que não há motivo para preocupação, porque no segundo semestre, por causa das restrições previstas na legislação eleitoral, o governo pisará no freio dos gastos. Poderá ser tarde demais.

Como bem lembra Eduardo Velho, a atual política fiscal, com superávit de 4,25% do PIB, já é, se comparada à do último ano, expansionista. Contribuirá, em termos líquidos, com R$ 11,5 bilhões (0,58% do PIB) para a expansão da demanda agregada, o que pode tornar o Banco Central ainda mais conservador em relação ao ritmo de redução dos juros. "Isso reforça o ponto de que a redução gradual da taxa de juros torna-se mais prudente na atual conjuntura, pois, não está piorando a expectativa de crescimento da economia brasileira, muito pelo contrário", observa o economista.

Foi importante que, ao assumir o comando da Fazenda, o ministro Guido Mantega tenha dito que cumprirá a meta de superávit primário. Teria sido mais relevante ainda mostrar publicamente por que não há razão para temores. Até agora, o que se viu foram sinais de piora fiscal. As expectativas podem se deteriorar e influenciar a curva futura de juros, o que, definitivamente, não é bom para o país.