Título: Começa investigação de dumping contra China
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 19/04/2006, Brasil, p. A3

O governo iniciou ontem duas investigações de dumping contra importações de produtos chineses: ferro de passar roupa e chapas pré-sensibilizadas de alumínio, utilizadas na impressão de jornais e revistas. São os primeiros processos desde que o presidente Lula anunciou que reconheceria a China como economia de mercado. Apesar das promessas brasileiras, os cálculos dos processos desconsideram o novo status. Lula Marques/Folha Imagem O presidente da China, Hu Jintao, e Lula, durante encontro em Brasilia: reconhecimento como economia de mercado

Essas investigações buscarão verificar se a China está praticando dumping, o que significa exportar abaixo do preço cobrado no seu mercado interno. Só que, em vez de utilizar nos cálculos o preço pelo qual o produto é vendido na China, o governo brasileiro está aceitando outros parâmetros, de acordo com as circulares da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, publicadas no "Diário Oficial da União".

No ferro de passar roupa, os preços de exportação do produto chinês foram comparados com os da Tailândia. Nas chapas de alumínio, os Estados Unidos foram escolhidos como referência. Esses países são importantes produtores. O argumento utilizado pelas empresas para desconsiderar o preço interno da China é que o país não é uma economia de mercado e, portanto, a influência estatal distorce os preços.

O Brasil prometeu reconhecer a China como economia de mercado durante a visita do presidente Hu Jintao ao país em 2004. Mas até agora não internalizou o novo status, argumentando que os chineses não cumpriram sua contrapartida em investimentos e comércio prevista no acordo. Com o impasse, o setor industrial entendeu que vale a regra anterior e entrou com os pedidos antidumping. O governo emitiu ontem um sinal de que concorda com o empresariado.

"Espero que agora o trâmite seja mais rápido, pois esse processo já demorou mais de um ano", diz o empresário Fabrizio Valentini, diretor-presidente da Agfa do Brasil, uma das empresas que pedem proteção contra as chapas de alumínio chinesas. A petição desse produto foi protocolada no governo em fevereiro de 2005. No caso do ferro de passar roupa, o pedido é de outubro de 2005.

"O reconhecimento da China como economia de mercado atrasou o processo. O governo ficou na dúvida sobre o que fazer. Agora decidiu que a decisão tomada na época foi apenas política", acredita o advogado Rabih Ali Nasser, sócio do escritório Albino Advogados , que auxiliou a Agfa no processo.

A proteção para o ferro de passar roupa nacional foi solicitada pela Black & Decker e pela Philips, dona da marca Walita, com o apoio da Arno. Juntas, essas empresas representam 100% do ferro elétrico fabricado no Brasil. Elas enfrentam a concorrência de outras empresas brasileiras como Mallory, Britânia e Mondial, que importam o produto chinês.

De acordo com a petição de abertura do processo antidumping, a participação das importações chinesas no consumo brasileiro de ferro de passar roupa saltou de 2% no período de setembro de 2000 a agosto de 2001 para 31,7% de setembro de 2004 a agosto de 2005. Os dados demonstram que um ferro de passar roupa chinês simples chega ao país por US$ 2,75. Na Tailândia, o produto é vendido a US$ 8,13. Isso significa que, se a investigação concluir que realmente está havendo dumping, poderá ser aplicada uma tarifa de 195,6% contra o ferro de passar roupa fabricado na China.

"Tem muito produto no mercado vendido a um preço que não paga a matéria-prima", reclama o diretor da Black & Decker Domingos Dragone. Ele afirma que as importações brasileiras de ferro de passar roupa saltaram de 200 mil a 300 mil unidades em 2001 para 2 milhões no ano passado.

Abalada pela concorrência e pela alta do real, a Black & Decker, líder do segmento de ferro de passar roupa, assistiu sua participação encolher de 60% para 50% em três anos. A fábrica da empresa em Uberaba, que tem capacidade para fabricar 6 milhões de ferros por ano, está produzindo 3,5 milhões.

"Estamos chegando no limite para substituir o produto nacional por importado. Já perdemos muito mercado. Fizemos uma aposta nessa ação para decidir", diz Dragone. A empresa importa apenas ferro para viagem da China.

O processo antidumping contra as chapas de alumínio chinesas foi solicitado pela Agfa e pela Indústria Brasileira de Filmes (IBF), que representam 100% do produto fabricado no Brasil. As empresas solicitaram o antidumping apenas contra a China, mas o governo decidiu investigar também as importações dos Estados Unidos. São comercializadas no Brasil mais de 150 tipos de chapa. A mais vendida é de espessura 0,3 milímetros, que é o alvo da investigação.

De acordo com o cálculo das empresas, essa chapa de alumínio chinesa chega ao país por US$ 1,98 por quilo. O governo não concordou e estabeleceu um preço de US$ 3,68 por quilo, o que reduz a margem de dumping. Já o preço de exportação do produto americano está em US$ 5,14 por quilo. Esses dados foram comparados com os preços cobrados pela Agfa, que é um grupo belga, nos Estados Unidos: US$ 10,27 por quilo. Dessa maneira, foi apurada uma margem de dumping de 179,1% para a China e 99,8% para os Estados Unidos.

Valentini diz que a Agfa perdeu 30% de seu market share em três anos. Ele ficou um pouco decepcionado com a margem de dumping menor, mas tem esperança que o governo mude de idéia durante o processo.