Título: Como conviver em harmonia com a tecnologia no trabalho
Autor: Margareth Boarini
Fonte: Valor Econômico, 19/04/2006, Eu &, p. D6

Déficit de atenção e risco no vazamento de informações. Essas duas questões obrigam executivos e empresas a viverem nos dias de hoje um momento especial. Numa era onde nunca a tecnologia se tornou tão presente, imprescindível e responsável por um fluxo de informações cada vez mais rápido, o mundo corporativo começa a rediscutir questões básicas como relacionamento pessoal, foco no trabalho, autodisciplina. É unânime o fato de que a tecnologia só ajuda. Engana-se quem pensa que ela atrapalha, mas se não for devidamente empregada causa dispersão no trabalho e traz sério risco no vazamento de informações que pode beneficiar a concorrência. Divulgação "Contar apenas com o bom senso não resolve", diz Maria Helena Monteiro, VP de RH e administração da SulAmérica

"Defino o problema atual como déficit de atenção. Para solucionar isso só vejo uma fórmula: listar as atividades para as quais devemos direcionar nossa atenção ao longo do dia e determinar um tempo para realizar cada uma delas", afirma categoricamente Cícero Domingos Penha, diretor de talentos humanos do Grupo Algar. A empresa, com onze mil funcionários, tem uma política de total liberdade relativa ao uso da tecnologia, mas enfatiza em campanhas periódicas de conscientização que ela deve ser praticada com liberdade e responsabilidade.

Com exceção do call center, todas as demais áreas e colaboradores têm acesso liberado à internet, sem restrição à entrada a qualquer site. Penha garante que essa postura não traz qualquer prejuízo ao grupo. "Como nossa administração é baseada em objetivos, se o colaborador não cumprir suas metas, não receberá bônus ou remuneração variável. É preciso atenção no cumprimento do trabalho constantemente", diz.

A SulAmérica Seguros, com 5.600 funcionários, optou por uma postura diferente. Acredita ser fundamental exercer uma política restritiva à internet não apenas para coibir possíveis ataques de vírus, mas também para assegurar a segurança da informação e manter colaboradores focados no trabalho.

"Contar apenas com o bom senso não resolve porque ele é relativo", justifica Maria Helena Monteiro, vice-presidente de recursos humanos e administração da empresa. Essa postura foi instituída dois anos atrás, depois de a empresa ter cansado de ter sua rede congestionada por spams, cartões de Natal, acessos em excesso a sites de religião e sexo, por exemplo -nada relacionado ao trabalho. A empresa faz campanhas periódicas de conscientização do uso da tecnologia, mas também investe uma boa soma de dinheiro, cujo valor não é revelado, em sistema de proteção à rede e bloqueio a determinadas categorias de sites.

Já no momento da contratação, o funcionário da empresa assina um termo de responsabilidade sobre o uso da internet e diz estar ciente que a empresa pode verificar o conteúdo do seu computador, além de receber uma relação com as normas de conduta utilizadas. A executiva explica, porém, que essa política não impede o uso da internet na empresa. "Temos consciência de que nossos funcionários precisam resolver várias questões pessoais ao longo do dia, por isso liberamos sites de agências de notícias, viagens, companhias aéreas, por exemplo", afirma.

No Santander-Banespa, os funcionários também são sempre informados de que a internet é uma excelente ferramenta de trabalho e que seu uso durante o horário de expediente deve ser priorizado para esse fim, embora vários tipos de site sejam liberados, a exemplo da SulAmérica. Com exceção de algumas áreas, onde o sigilo da informação é imperativo e sequer há internet ligada para se evitar vazamento de dados, nas demais o funcionário só terá acesso a essa tecnologia no caso de autorização de seu gestor direto. Marisa Cauduro/Valor Teófilo, gerente executivo da segurança da informação do Santander-Banespa, aposta na educação dos funcionários

Na avaliação de Álvaro Teófilo, gerente executivo da segurança da informação do banco, três pontos norteiam essa política da empresa. O primeiro e mais importante refere-se à educação do colaborador. O funcionário precisa ser informado sobre processos e normas adotados pela instituição financeira. "Por trás de qualquer endereço eletrônico existem pessoas, que podem ser ou não bem intencionadas e alertamos sempre sobre isso", relata o gerente.

Os demais pontos são investimentos na proteção da rede e avaliação se as pessoas estão usando ou não a internet adequadamente. "Nossa maior preocupação é com a segurança da informação, embora a questão do foco no trabalho também seja um ponto importante", reforça Teófilo. O banco libera o acesso a várias categorias de sites consideradas confiáveis, como alguns de compras, noticiosos, entre outros.

Para a consultora Danielle Sarraf, sócia-diretora da consultoria Mariaca & Associates, especializada na área de recrutamento, preocupar-se em como se relacionar com a tecnologia hoje em dia deve mesmo fazer parte da vida de executivos e empresas. "As pessoas têm que respeitar seus limites e pensar muito nos outros. Até que ponto um celular que toca numa reunião não atrapalha o colega que está falando naquele momento. Saber usar o 'instant messenger' com etiqueta, aguardando a pessoa escrever o que quer para então responder, ou sair e fechar a janela, despedindo-se dela, é outra forma de educação!", diz.

Por esse motivo o executivo do grupo Algar prioriza a educação do funcionário para o uso da internet e celular. "Acredito ser mais eficaz gastar tempo com educação que dinheiro para controlar o uso", justifica. A gestão participativa do grupo Algar permite que um executivo do grupo receba até o equivalente a 18 salários ao ano. Por esse motivo, Penha acredita que o uso responsável da internet dentro do grupo Algar está funcionando.

Na rede Outback, com exceção dos restaurantes, os 30 funcionários do escritório central podem usar livremente a internet, "instant messenger" e celular. Mas a empresa, segundo José Mauro Lorga, diretor de administração e finanças do grupo, conta com o bom senso de todos. Até e-mails, mesmo permitidos perdem em prioridade para o relacionamento pessoal. Mas isso também é possível porque o escritório é pequeno.

O estímulo ou não ao uso liberado da tecnologia depende muito também do segmento de mercado em que uma empresa atua. A Accenture, por exemplo, que atua na área de gestão, serviços de tecnologia e outsourcing, estimula o uso de internet, "instant messenger" e celulares entre os cinco mil funcionários no Brasil.

Petrônio Nogueira, sócio responsável pela área de mídia, comunicação e alta tecnologia, acredita que a tecnologia colabora para a empresa conquistar alta performance mas ressalta que a maturidade e o bom senso dos funcionários são imprescindíveis para o bom uso desse tipo de ferramenta de trabalho. "Eu mesmo, quando estou no telefone com alguém, posso até me permitir responder uma 'instant messenger' de forma simultânea, mas tomo o cuidado de desligar o celular", afirma.

O executivo, porém, toca numa questão importantíssima que é a busca do ponto de equilíbrio. "Temos que desenvolver a capacidade de multiprocessamento porque somos instigados a uma variedade grande de ferramentas tecnológicas, mas temos que aprender a segregar o que é essencial do que é acessório. É fundamental aprender a gerenciar isso", define. Empregar bem a tecnologia esbarra numa questão latente a que o executivo deve estar alerta e ser aliado da empresa onde trabalha na segurança da informação. Vírus, espionagem industrial com vazamento de dados são pontos importantes que devem ser relevados por qualquer colaborador.

"É hipocrisia proibir o uso de internet. Todos os recursos da empresa são usados na vida pessoal do funcionário porque ele passa muitas horas no local de trabalho. Por isso, acredito que a melhor solução seja buscar boas alternativas para empresa e colaborador", afirma Alberto Fávero, sócio da Ernst & Young, na área de riscos tecnológicos e segurança da informação, e presidente da ISSA (Associação Internacional de Profissionais da Segurança da Informação).

Como para o consultor, bom senso também é relativo, ele propõe que a empresa normatize o uso e até o tempo de navegação na internet, para evitar desde riscos tecnológicos, como perda da produtividade, uma vez que chats e visitas a alguns sites vicia mesmo, seja em maior ou menor grau. O componente humano, de qualquer forma, continua importante. O funcionário deve conhecer claramente as regras da empresa e ter disciplina quanto ao uso. "O que vemos surgir hoje no mundo corporativo é a preocupação em criar a governança tecnológica, conceito novo de gerenciamento dos riscos e uso e esclarecimento de normas, surgido cerca de cinco anos atrás e que começa a nortear os trabalhos das companhias."

Por conta disso tudo, é bom manter-se atento a noções como foco, relacionamento pessoal, gerenciamento da informação e tecnologia. Saber apenas administrar o tempo deixou de ser importante. A regra agora é saber para quais compromissos e ferramentas de trabalho ele pode ser direcionado.