Título: O olho do dono engorda a ação
Autor: Monteiro, Luciana
Fonte: Valor Econômico, 18/08/2011, Investimentos, p. D1

A forte volatilidade registrada pela bolsa, especialmente em agosto - e que puxou para baixo a cotação de grande parte das ações -, trouxe oportunidades não apenas para os investidores, mas para as próprias empresas. Diante de papéis tão depreciados, as companhias estão aproveitando o momento para adquirir ações próprias no mercado de forma mais barata e, assim, tentar valorizar seus ativos.

Somente da semana passada para cá, dez empresas anunciaram programas de recompra de ações, num valor de R$ 1,059 bilhão. Levantamento do Valor mostra que, até ontem, 47 companhias mantinham programas de recompra de 56 ações - já que algumas têm papéis preferenciais (PN, sem direito a voto) e ordinários (ON, com voto). O valor desses programas, com base na cotação de anúncio, é de R$ 15 bilhões. Para se ter ideia, a queda das ações em mercado fez com que essas mesmas recompras somem R$ 12,9 bilhões pelas cotações de terça-feira.

Só na segunda-feira, três novas companhias divulgaram programas de aquisição de ações: ALL, Telesp e GP Investiments. No caso da empresa de logística, serão recomprados até 9 milhões de papéis em circulação no mercado. Isso equivale a 2,068% do total de ações ordinárias, numa operação que deve somar R$ 80,100 milhões. Já Telesp informou a aprovação de um programa de recompra de até 2,9 milhões de ações ordinárias, o que corresponde a menos de 10% das ações em circulação. O valor da operação deve chegar a R$ 115,942 milhões. A GP Investments, maior fundo de participações ("private equity") da América Latina, anunciou que pretende recomprar até 12,218 milhões de ações classe A, num valor estimado de R$ 50,949 milhões.Em momentos de forte volatilidade como o atual, depois de robustas desvalorizações, as empresas, com caixa cheio, fazem esse tipo de operação sinalizando ao mercado que acreditam que o preço das ações está barato em relação ao patrimônio e ao que elas têm de potencial. "É uma forma de a empresa mostrar que confia em seu próprio negócio", diz Hugo Azevedo, superintendente da Santander Corretora. Por lei, as companhias podem recomprar até 10% das ações em circulação.

Já para os investidores, o programa de recompra de ações pode trazer alguns benefícios. Primeiramente, pode haver uma certa estabilização das cotações, já que há a sinalização de que há compradores. Além disso, se os papéis recomprados forem cancelados, reduzindo o número de ações em circulação, o acionista terá um aumento no valor dos dividendos a receber. Uma redução de capital, entretanto, não é muito comum.

Recomprar ações é uma ótima estratégia para a companhia, que mostra ao mercado que ela está com suas finanças em ordem, afirma Ricardo Torres, professor de finanças da BBS Business School. "Se a empresa está disposta a investir em si própria, é porque confia que vai ter uma rentabilidade maior do que com outros tipos de aplicações, como com a taxa de juros, por exemplo", diz. "A empresa mostra que tem disponibilidade de caixa para a recompra e não está extremamente alavancada."

Os dados da BM&FBovespa mostram que as empresas seguem como as principais compradoras de ações no mercado. No acumulado de agosto, até o dia 15, o saldo de investimentos realizados por empresa segue positivo em R$ 1,233 bilhão. Já entre as pessoas físicas, as vendas superam as compras em R$ 490,097 milhões. Entre os institucionais, o saldo está negativo em R$ 741,039 milhões.

Por lei, as empresas não podem negociar suas próprias ações 15 dias antes da publicação dos balanços. Como o prazo para divulgação acabou na segunda-feira, uma nova leva anunciou programas.

Normalmente, a empresa recompra seus papéis e os mantêm em tesouraria. Essa estratégia pode se mostrar interessante, inclusive, para que a companhia não fique descapitalizada, de forma que ela pode usar essas ações como garantia no caso de um empréstimo, diz Torres, da BBS. "É um poderoso mecanismo de gestão", afirma.

A recompra de ações ajuda também na imagem da companhia perante o mercado. Quando um investidor aplica em ações de uma determinada empresa, é porque espera vender os papéis por um preço mais alto no futuro. "Se as cotações começam a cair e não se recuperam, especialmente os pequenos investidores podem sair do mercado e não voltar mais", afirma César Frade, professor de economia e finanças do Ibmec Brasília. "Se essa companhia precisa captar recursos no mercado no futuro, é bom que esse investidor esteja presente", diz. "E quanto maior for o preço da ação no momento da captação de recursos, melhor para a companhia, porque ela precisa emitir menos ações". Ou seja, cotação alta é boa tanto para o investidor como para a empresa.

O primeiro impacto de uma recompra de ações costuma ocorrer no dia do anúncio, diz o professor do Ibmec. Isso, no entanto, beneficia o investidor que já possui papéis da empresa, por conta do aumento da demanda pelas ações, mas não aquele aplicador que entra depois, ressalta Frade. Esse segundo investidor só será beneficiado se os papéis recomprados forem cancelados, com alta do lucro por ação.

A recompra, no entanto, não deve servir de parâmetro para o investidor optar por comprar um papel ou não, afirma Azevedo, do Santander. "Às vezes se faz muito barulho em cima de uma recompra, mas o investidor precisa avaliar os fundamentos técnicos da empresa", diz o executivo. "Há muitas outras variáveis a serem observadas antes de comprar um papel e a recompra, nesse sentido, pode ser apenas um detalhe."

O investidor, no entanto, precisa ficar atento. Ao anunciar um programa de recompra, a empresa anuncia a quantidade e período no qual pretende adquirir os papéis no mercado. O problema é que muitas divulgam essa informação, mas acabam não recomprando as ações. "A intenção é induzir uma possível alta do papel, surtir um efeito imediato, usar esse mecanismo como marketing", afirma Azevedo.

Por isso, o investidor deve estar atento e buscar os máximo de informações possíveis sobre a empresa, conversar com corretoras de valores e estar atento aos volumes diários e número de negócios com as ações da companhia, diz Torres, da BBS.

Passado o período de recompra, a companhia é obrigada a dizer se adquiriu ou não papéis no mercado. Em caso positivo, é preciso informar quantos papéis foram recomprados e quanto ela gastou com a operação. Azevedo, do Santander, lembra que, no caso das empresas que estão há mais tempo no mercado, é possível checar se, em programas anteriores, houve realmente recompra de papéis. "E, portanto, ver se a empresa usa esse mecanismo apenas como instrumento de marketing", afirma ele. Já entre as novatas na bolsa, não há saída senão acreditar na intenção da empresa.