Título: Brasil pode ampliar direito de voto
Autor: Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 19/04/2006, Finanças, p. C1

O diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Rodrigo de Rato, quer aumentar imediatamente os direitos de voto de países mais sub-representados na instituição. A proposta, que conta com o apoio dos Estados Unidos, prevê um aumento inicial de cota para os países cuja representação está mais distorcida, diluindo todos os outros proporcionalmente.

O Brasil pode ser um dos beneficiados pela iniciativa. Rato diz que já houve muita discussão sobre o assunto e que o momento é de "implementação"- quer que o Comitê Financeiro e Monetário Internacional (CFMI) dê neste fim de semana o mandato à diretoria do Fundo para dar andamento ao assunto. "Hoje há um consenso que não existia há 6 ou 12 meses, não em relação à forma exata da reforma, mas de que é preciso tratar do assunto já", afirmou.

Sem citar diretamente o Brasil, Rato disse que há "vários países na América Latina" e na Ásia que seriam beneficiados pela mudança imediata das cotas, e que os EUA apóiam a aceleração do processo. Além do Brasil, países com cotas claramente distorcidas são a China e Índia, que tiveram enorme crescimento econômico nas últimas décadas. Fontes do FMI dizem que para entrar na primeira leva de "correção de cota" os países terão que angariar apoio no Fundo para a tese de que o seu caso de sub-representação é urgente, e por isso não há uma lista fechada de países.

A idéia de Rato é deixar para depois a parte mais difícil, reduzir o peso dos países que têm excesso de representação (a maior parte está na Europa) e estabelecer a fórmula de cálculo das cotas. Os EUA anunciaram ontem que concordam em reduzir seu direito de voto no FMI. "Os países sabem que se não tiverem voz aqui no FMI, podem procurar fazê-la ser ouvida em outros locais", disse Rato no documento que será entregue ao Comitê Financeiro. Rato citou como outros fóruns internacionais a Organização Mundial do Comércio (OMC), e afirmou que é de interesse dos acionistas que o Fundo seja uma instituição com legitimidade e vista como tal mundialmente.

Num encontro pela manhã com um pequeno grupo de jornalistas de Washington, representando jornais do Brasil, Reino Unido, EUA, Alemanha e Índia, Rato explicou uma de suas idéias mais ousadas para mudar o crédito no FMI.

No processo de criação de uma nova linha de crédito de emergência que substituiria a fracassada Credit Contingency Line (CCL), o FMI estuda usar em algumas destas linhas reservas de países em desenvolvimento. Alguns países já vêm combinando suas reservas para combater eventuais crises na Ásia (Chiang Mai Initiative) e na América Latina (especificamente o Fundo para Reservas da América Latina, organizado por países andinos). Esse modelo daria aos países doadores de recursos mais poder ao definir as condições a serem cumpridas pelos países que recebem recursos. Não seriam obrigatórios todos os critérios que o FMI exige hoje em seus empréstimos.

Rato diz que é necessário substituir a CCL, que foi fechada sem que nenhum país se candidatasse para evitar ser estigmatizado como estando "à beira da crise". A nova linha daria direito a saque de três vezes a cota do país no Fundo, com possibilidade de revisão para um volume maior, e teria uma pré-aprovação de países que tenham um histórico de política macroeconômica sensata, mas ainda apresentem vulnerabilidades.

"A situação da economia mundial tem sido benigna nos últimos anos, com crescente participação do setor privado no financiamento aos países desenvolvidos e em desenvolvimento. O Fundo precisa estar preparado para uma eventual mudança dos níveis de taxa de juros e riscos nos mercados", diz de Rato. Estariam pré-qualificados para estas linhas países que "estão fazendo uma boa administração macroeconômica, mas ainda têm vulnerabilidades, por exemplo, uma alta relação entre dívida e PIB", afirmou. "Esses países também querem ter alguma previsibilidade em relação à reação do Fundo quando precisarem de ajuda". A proposta tem várias semelhanças às feitas pelo Brasil nos últimos encontros do FMI e Banco Mundial.

Outro assunto que o Fundo precisará avaliar é como sair do prejuízo que está sendo previsto nos próximos anos com a redução da demanda por empréstimos. Depois da saída de Brasil e Argentina da lista de devedores, o ano de 2006 será o último com superávit de US$ 155 milhões no FMI. A previsão para os próximos três anos é de prejuízos, respectivamente, de US$ 82,7 milhões no ano que vem, US$ 206 milhões em 2008 e US$ 300 milhões em 2009. O Fundo já passou por outras épocas de prejuízo nas décadas de 50 e 70, quando a demanda por empréstimos caiu. O diretor-gerente quer diversificar as fontes de renda do FMI, e acredita que o FMI terá que aplicar melhor seus investimentos para gerar renda que não se restrinja a empréstimos. Uma das alternativas avaliadas é vender parte das reservas de ouro de maneira gradual e sem afetar os mercados, o que geraria lucro para o balanço do Fundo, mas só resolveria o problema de maneira provisória. As reservas de ouro do Fundo estão contabilizadas a custo de aquisição, feito há décadas, e por isso há um enorme colchão não utilizado no balanço da instituição. Essa "reserva de valor" já foi citada em várias ocasiões como fonte de recursos para o Fundo, como para a iniciativa de perdão da dívida de países mais pobres.

Para aumentar a relevância dos conselhos macroeconômicos do FMI, Rato quer criar uma "fiscalização multilateral", na qual os assuntos econômicos de um país seriam avaliados não apenas pelo seu impacto interno, mas também considerando os efeitos de suas políticas na economia mundial. A China, cujo crescimento econômico está ancorado em exportações com moeda subvalorizada, por exemplo, seria certamente candidata a esse tipo de avaliação. Mas a escolha dos países e das questões deve provocar polêmica. Rato também quer avaliações mais francas sobre a situação cambial dos países, com uma opinião clara do FMI em casos de subvalorização ou sobrevalorização de moedas.