Título: País poderá ter fábrica de US$ 700 milhões
Autor: Daniel Rittner, Sergio Leo e Ricardo Cesar
Fonte: Valor Econômico, 19/04/2006, Empresas, p. B3

O governo brasileiro e a empresa de tecnologia japonesa Toshiba iniciam, nos próximos 15 dias, as negociações técnicas para a implantação de uma fábrica de semicondutores no país. A decisão de adotar o sistema japonês de TV digital é dada como certa por ministros e altos funcionários do governo que participam das discussões, mas todos frisam que a palavra final caberá ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os assessores de Lula têm demonstrado cautela para não atropelar o anúncio do presidente nem dar a entender que a escolha já foi 100% tomada. Eles avaliam que isso pode reduzir o poder de barganha nesta reta final da definição do padrão tecnológico, mas voltaram de Tóquio convencidos de que o consórcio ISDB oferece o melhor sistema e as melhores contrapartidas. AP Photo/Kin Cheung Amorim: memorando firma compromisso dos japoneses em treinar técnicos brasileiros e repartir conhecimentos

Os contatos com empresários e com a cúpula do governo japonês foram capazes até mesmo de baixar a resistência do ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, simpático ao padrão europeu. Furlan e seus colegas saíram satisfeitos com o compromisso da Toshiba de enviar, em 15 dias, representantes para começar a estudar o projeto de uma fábrica no país. Diferentemente do que imaginava o governo no início das negociações, o investimento dificilmente alcançará bilhões de dólares. Deverá ser algo mais modesto, até US$ 700 milhões, voltado para a fabricação de semicondutores "dedicados", designação técnica para os chips utilizados na produção de aparelhos eletrônicos como televisores, geladeiras e DVDs - e não computadores.

Há três tipos de empreendimentos que poderiam ser montados no Brasil, segundo Rogério Nunes, diretor de marketing da Smart Modular Technologies, que atua na área de semicondutores. O mais simples é uma "design house", que desenha os chips e encomenda sua fabricação. Esse tipo de negócio não requer investimentos vultosos.

A segunda categoria compreende a montagem dos chips utilizando lâminas de silício denominadas "wafers", que são compradas no exterior. Esse processo é chamado de "back end". É isso que a Smart faz no Brasil. Segundo Nunes, um empreendimento desse tipo requer investimentos de US$ 20 milhões a US$ 50 milhões.

A terceira - e mais complexa - fábrica de semicondutores é a que faz o "front end", como é denominada a produção dos wafers, e requer investimentos que geralmente passam de US$ 1 bilhão. As técnicas produtivas mais modernas exigem gastos que podem ultrapassar US$ 3 bilhões.

Se o valor de US$ 700 milhões for confirmado, resta saber que tipo de unidade produtiva será montada. O valor é muito acima do necessário para uma fábrica de back end, mas fica abaixo do que seria de se esperar para produzir wafers com tecnologia de ponta.

Segundo uma fonte envolvida nas negociações, é preciso de uma infra-estrutura industrial para dar suporte aos chips mais avançados, algo que o Brasil ainda não tem. A fonte relatou que, além de ofertas "mais firmes" do lado japonês, os europeus da ST Microelectronics enfatizaram, em reuniões no Palácio do Planalto, que a eventual decisão de instalar uma unidade de fabricação de semicondutores no Brasil não depende da escolha do sistema DVB. Técnicos e ministros não descartam uma ida também à Europa, caso Lula determine a viagem, mas acreditam que ela terá pouca influência.

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, comemorou a decisão da Toshiba de enviar uma missão técnica ao Brasil. "Vejo esse anúncio como um encaminhamento positivo para que se possa avançar na adoção de um padrão de TV digital com tecnologia produzida no Brasil", comentou Amorim, que coordenou a delegação brasileira. "Não é só transferência de tecnologia de lá para cá; haverá uma troca."

Embora o memorando de entendimento assinado na semana passada entre autoridades brasileiras e japonesas tenha sido entendido no mercado, no Brasil e no japão, como um sinal definitivo da adoção do padrão japonês pelo governo brasileiro, Amorim fez questão de tratar o assunto em termos condicionais. Ele lembrou que os japoneses queriam, já no memorando, uma declaração de que o Brasil adotará o padrão ISDB-T, adotado naquele país. Os brasileiros negociaram para que o texto falasse em "forte desejo" de adotar o padrão do Japão para a TV digital no Brasil.

Amorim comentou que o governo brasileiro espera aproveitar o avanço desenvolvido no país nos últimos três anos em matéria de programas de computador, em setores como a interatividade, para usar, com os japoneses, na futura TV digital. O memorando firma compromissos dos japoneses em treinar técnicos brasileiros e repartir conhecimentos na área, além de abdicar do recebimento de royalties pela tecnologia. Amorim foi evasivo ao responder se o memorando significa o fim das chances de adoção da tecnologia européia.