Título: BC e Fazenda insistem no juro alto e no dólar barato, dizem analistas
Autor: Cynthia Malta e Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 02/12/2004, Brasil, p. A-3

A política econômica do governo Lula, que nos últimos meses vem se apoiando nos pilares "juro alto e dólar barato" para combater a inflação, não dá sinais de que possa trazer alguma novidade nos próximos meses em função do anúncio de que o Tesouro Nacional comprará US$ 3 bilhões até junho. Nem mesmo a declaração recente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que o patamar ideal para o dólar seria entre R$ 2,90 e R$ 3,10, para não prejudicar as exportações, é forte o suficiente para que a maior parte dos analistas ouvidos pelo Valor acredite numa possível mudança. Ontem, o dólar fechou em R$ 2,711, o valor mais baixo desde 19 de junho de 1992. "A compra de US$ 3 bilhões não vai afetar em nada o câmbio. É muito pouco e, quando o presidente Lula falou que o câmbio ideal é de R$ 2,90 a R$ 3,10, ninguém levou a sério. O mercado já sabe que isso é cascata. Vamos continuar com tudo do mesmo, tudo igual", diz o professor da Unicamp Luiz Gonzaga Belluzzo. Concorda com ele o professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Fernando J. Cardim de Carvalho. "Eu acho que o instinto dessa diretoria do Banco Central ainda é refugiar-se atrás da alegação de que não lhe cabe atuar sobre o câmbio, o que é falso, já que o mercado de câmbio é pesadamente determinado pela sua política de juros", diz. "Atuar sobre o câmbio talvez seja menos uma mudança de política que um gesto apaziguador das preocupações do presidente (Lula)", observa, lembrando que o efeito das declarações do presidente e do anúncio do Tesouro sobre o câmbio "foi muito limitado, e bem distante das taxas desejadas por Lula. Isto mostra que o mercado também não acredita em nada mais que uma mudança cosmética". O ex-ministro e professor da Fundação Getúlio Vargas, Luiz Carlos Bresser Pereira, lembra que o BC não hesitou nos últimos meses em usar o câmbio para atingir a meta de inflação. "Ora, esse uso é criminoso. Mas o Banco Central insiste que o câmbio é livre, e que não quer fazer uma política de "câmbio sujo". Essa expressão não tem o menor sentido. É pura ideologia livre-cambista", diz Bresser Pereira. "O que todos os países que buscam a estabilidade macroeconômica fazem é combinar o câmbio flutuante com uma política de "câmbio administrado". Não há nada de sujo nisto, há apenas a preocupação com o interesse nacional." Belluzzo observa que o real é, talvez, a moeda que mais se valorizou no mundo nos últimos meses. O dólar já caiu 15,65% em relação ao real desde 20 de maio, quando o câmbio chegou a R$ 3,21. "Está todo mundo com posição vendida em dólar e aplicando em DI", nota o professor, referindo-se a papéis que seguem de perto a variação da taxa Selic. O economista-chefe do Pátria Banco de Negócios, Luís Fernando Lopes, diz que a recente valorização do real se deve quase que integralmente ao fluxo destinado a aproveitar os altos juros das aplicações em reais, embora ressalte que há um movimento global dos investidores de venda do dólar e compra de outras moedas, como o euro e o iene. O diferencial brasileiro, porém, são os altíssimos juros pagos pelo BC. Para Belluzzo, o Brasil poderia ter segurado, há alguns meses, o dólar em R$ 3,40 e, ao mesmo tempo, ter iniciado um processo de redução lenta do juros. Enquanto isso, poderia ter comprado dólar para acumular reservas, consideradas baixas por boa parte dos economistas. As reservas líquidas (excluindo basicamente os recursos do FMI) estão em US$ 22,4 bilhões. "Estávamos pedindo um pouco de inteligência, ninguém estava pedindo para baixar o superávit primário até porque não era hora de baixar. Era para dar consistência à política econômica", observa Belluzzo. "Eu me divirto vendo o Meirelles na TV falando sobre coisas que ele não entende", lamenta o professor da Unicamp, referindo-se ao presidente do BC, Henrique Meirelles. Mas há quem veja com bons olhos a estratégia do governo, como o ex-diretor do Banco Central (BC) Sérgio Werlang, hoje diretor do Itaú. Ele diz que o nível atual do câmbio não o preocupa porque tanto o Tesouro quanto o BC estão empenhados em reduzir a vulnerabilidade externa do país. Werlang recebeu bem a notícia de que o Tesouro vai comprar US$ 3 bilhões até junho do ano que vem, para honrar seus compromissos externos. Para ele, a medida indica que o governo não pretende contar com a valorização do real para atingir as metas de inflação. Werlang acredita, aliás, que o Tesouro poderá intensificar as compras, aproveitando o fato de o dólar estar barato. Ele também considera que é o Tesouro, e não o BC, o agente mais adequado para atuar no mercado de câmbio, por sinalizar que as aquisições da moeda americana têm como objetivo acumular recursos para honrar compromissos externos, e não definir um nível para o dólar. Outro ponto positivo, segundo ele, é que o BC continua a reduzir a parcela da dívida doméstica atrelada ao câmbio. Nesse cenário, o dólar a R$ 2,71 não o preocupa. Para ele, a queda no superávit da balança comercial em novembro se deve a fatores sazonais, já que é normal uma redução do saldo no fim do ano. O Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), por sua vez, viu o resultado com desconfiança. "Nossos dados com ajuste sazonal indicam expressivas variações em novembro: as exportações por dia útil caíram 5,7% e as importações aumentaram 3,3%", afirma o Iedi em relatório. "Portanto, é a intensidade, e não a direção das mudanças que ocorreram nos meses finais deste ano, que deixa a dúvida se o comércio exterior brasileiro já está sob a influência da significativa valorização do real", diz o texto, para concluir que, em alguma medida, os resultados são furto da apreciação do câmbio.