Título: Brasil Maior e mais ineficiente
Autor: Ferreira, Pedro C.; Fragelli, Renato
Fonte: Valor Econômico, 24/08/2011, Opinião, p. A11

A história da política econômica brasileira apresenta como padrão recorrente a implantação de políticas distorcidas buscando-se solucionar problemas causados por distorções anteriores. Com isso, obtém-se alguma ilusão de progresso no curto prazo, mas, por não se enfrentar as causas últimas das dificuldades, aumenta-se continuamente a ineficiência geral da economia. O recém-anunciado Plano Brasil Maior é o mais novo exemplo.

O Plano parte de um diagnóstico parcialmente equivocado e propõe medidas que não resolverão o problema e provavelmente afetarão negativamente a produtividade geral da economia. Além disso, beneficiam de maneira injustificada grupos de interesses e setores específicos - a indústria automobilística, por exemplo - em detrimento da população como um todo.

O diagnóstico equivocado está na ideia de que a indústria manufatureira nacional vive uma crise provocada pela competição predatória de produtos estrangeiros, notadamente chineses, e pela "guerra cambial". Dois equívocos aqui. Olhando atentamente os dados, não está claro que haja uma crise generalizada na indústria. Há de fato problemas sérios em alguns setores mais atingidos pela competição internacional, mas os dados da produção industrial mostram, no pior dos casos, baixo crescimento e não queda generalizada, ao mesmo tempo em que vários setores - novamente: a indústria automobilística - crescem a taxas vigorosas. Os números não justificam a gritaria e muito menos o volume brutal de benefícios atuais- via crédito subsidiado, por exemplo - e a intensificação destes com o Plano Brasil Maior.

Padrão recorrente: implantação de políticas distorcidas para resolver problemas causados por distorções anteriores

O segundo equívoco de diagnóstico é considerar que o câmbio valorizado estaria na raiz do problema. Mesmo que fosse o caso, há uma série de distorções tão ou mais importantes que estão sendo ignoradas, como a estrutura tributária, custosa e burocrática, além de uma carga de impostos excessivamente alta. Ou uma infraestrutura de transporte caótica e cara que, devido à falta de investimentos e má gestão, deve permanecer assim por algum tempo.

Além disso, em grande parte a valorização cambial é causada pelas altas taxas de juros, que atraem capital estrangeiro. Mas os juros estão altos para combater uma inflação causada, entre outros fatores, pelo excesso de gastos do governo e expansão do crédito. Aqui também não se está enfrentando o problema, basta ver que as transferências do Tesouro para o BNDES se mantêm altas e não há qualquer programa visando enfrentar dificuldades fiscais mais de longo prazo.

Com um diagnóstico torto, não é surpresa que o Brasil Maior não ataque de frente a suposta queda de competitividade da indústria brasileira. A grande maioria de suas medidas busca isolar artificialmente da concorrência estrangeira a produção doméstica. Entre as medidas protecionistas há: subsídios tributários à exportação de manufaturados; preferências por produtos nacionais em compras governamentais (ainda que 25% mais caros que concorrentes estrangeiros!); ampliação da lista de exceção do Mercosul com possibilidade de aumento de tarifas de importação; a necessidade de conteúdo nacional para financiamento de bancos públicos; e a intensificação de medidas anti-dumping e licenças não automáticas para importação. Essas duas últimas, via de regra, são muito mais barreiras comerciais não tarifárias que instrumentos de defesa da produção doméstica, como bem mostra a experiência da Argentina. O plano ainda inclui uma série de subsídios creditícios via BNDES que, além de baratear o produto doméstico à custa do contribuinte, irão sobrecarregar ainda mais o Tesouro.

A história mostra que medidas protecionistas não conseguem aumentar a competitividade da economia. Ao contrário, está bem documentado que, após a liberalização comercial dos anos 1980 e 1990, todos os setores da indústria experimentaram um crescimento acelerado da produtividade, seja porque aumentou-se o acesso a máquinas, equipamentos e tecnologia de ponta ou porque a concorrência estrangeira disciplinou produtores domésticos. A produtividade, em alguns casos - nos setores de eletrodomésticos e eletrônicos, por exemplo -, dobrou em menos de dez anos. As medidas do Plano vão na direção contrária, o que deve implicar em uma queda da eficiência futura da economia.

Como não poderia deixar de ser em um conjunto de medidas tão extenso, há no Brasil Maior medidas positivas: a redução do prazo de devolução do PIS-Pasep e Cofins incidentes sobre as compras de bens de capital; a desoneração do IPI sobre os bens de investimento; um significativo aumento dos recursos para a inovação e desoneração da folha de pagamento, embora aqui tenham se frustrado as expectativas ao se incluir somente quatro setores. Os pontos positivos, entretanto, não dão o tom e muito menos estão na essência do Plano. Ao buscar "proteger o mercado interno de uma avalanche de produtos baratos importados", o plano vai proteger a indústria manufatureira e não o mercado e seus consumidores, que comprarão agora produtos mais caros. A introdução de barreiras comerciais e a intensificação de subsídios implicarão, no futuro, em aumento da ineficiência e perda de competitividade, o que significa que continuaremos pagando por produtos caros por um bom tempo.

Pedro C. Ferreira e Renato Fragelli são professores do pós graduação da Escola de Economia (EPGE-FGV)