Título: Furlan diz que jogo mudou e quer novo rumo para o governo
Autor: Claudia Safatle e Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 02/12/2004, Brasil, p. A-3

Antes mesmo de terminar a comemoração, no governo, pelo crescimento de 5,3% do Produto Interno Bruto (PIB) até setembro, frente ao mesmo período do ano passado, o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, alertou, em entrevista ao Valor, sobre a necessidade de novos rumos, de definição de novas prioridades, porque, agora, " o jogo é outro", adiantou ele. "Falei recentemente com o presidente Lula que o Brasil foi o aluno mais bem comportado do Fundo Monetário Internacional (FMI). Tiramos nota 10 em comportamento, mas isso não é suficiente para passar de ano. Temos que ter nota 10 também em outras matérias. No curso do professor FMI nós já passamos e estamos na hora da formatura. Agora é um divisor de águas. Daqui para frente é outro jogo", assinalou o ministro. Furlan não escondeu suas preocupações com a valorização da taxa de câmbio e com o patamar dos juros básicos. "A taxa de câmbio será fator determinante das exportações em 2005", avisou o ministro, ao reiterar que sua meta é encerrar o próximo ano com um total de vendas externas de mais de US$ 100 bilhões, em comparação aos cerca de US$ 94 bilhões deste ano. Defendeu, ainda, a redução dos juros básicos da economia para se chegar a uma taxa de um dígito. "Isso é difícil? Por quê? Por que falta coragem? Não sei, eu não tenho resposta. Mas o presidente Lula foi eleito como um agente de mudança, e não para fazer o que os espanhóis chamam de "más de lo mismo", acrescentou Furlan. Ele não poupou a necessidade de bons reparos, também, na política fiscal, na medida em que o orçamento anual não gera compromissos nem cobra resultados. "É difícil trabalhar com planos e com um orçamento que não gera compromissos. Fizemos um levantamento que constatou que a execução do orçamento em relação ao PPA (Plano Plurianual de Investimentos), em 2003, representou apenas 26% do programado. Então, para que serve um plano plurianual descolado da realidade?". Na reunião ministerial dos dias 10 e 11, com o presidente da República, todos farão uma espécie de prestação de contas do que deveriam ter feito e do que, de fato, fizeram em 2004. "Muitos colegas são criticados porque não apresentaram resultados satisfatórios. É importante ver se os meios para isso foram providos. Aqui, por exemplo, tínhamos um orçamento de R$ 230 milhões para a política industrial. A primeira parcela, de R$ 30 milhões, que é a única, não foi votada pelo Congresso", disse Furlan Ontem ele foi ao Senado pela manhã exatamente para falar da política industrial, da necessidade de se aprovar a criação da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, porque praticamente nada do que foi apresentado nessa área, em meados do primeiro semestre, foi votado. "Nosso projeto de política industrial é virtual, tramita no Congresso. Temos uma proposta consistente, recursos virtuais", comentou. Este era o segundo item das prioridades "zero" definidas pelo presidente Lula para este ano, no início do exercício, e a primeira da lista do Ministério do Desenvolvimento. "Se até a reunião ministerial do dia 10 o Congresso não tiver votado, eu serei um dos ministros que não terão cumprido suas prioridades", disse ele. O ministro do Desenvolvimento alinhou as áreas em que ele acha que é preciso maior empenho para que as "notas" do país possam melhorar: "Na infra-estrutura; na redução da burocracia; em traçar um norte para os próximos dois anos, na área econômica". Furlan acha que o governo deve definir, logo, quais os "objetivos imexíveis" do governo para os próximos dois anos. "Hoje, o crescimento econômico não é objetivo, taxa de juros não é objetivo. O orçamento para 2004 falava em juros de 13% ao final do ano. Superávit primário é objetivo? Inflação é?".

Estamos com um cacife extraordinário. Temos que fazer esse patrimônio reproduzir de maneira responsável "

O fato de estes dois últimos terem sido objetivos até agora não significa que tenham que continuar sendo. O ministro argumenta: "Há objetivos que são válidos para um certo período, outros que são válidos para um longo período. Essas coisas deverão ser olhadas. Para quem navega, é importante saber para onde se quer ir afinal". Na opinião do ministro, na redefinição de objetivos, o principal deveria ser emprego. "Agora é o momento da ousadia". Recuperou-se a credibilidade, o país está em franco crescimento econômico, as metas de austeridade fiscal estão sendo cumpridas à risca e os quase 2 milhões de empregos gerados cobriram parte dos empregos perdidos. As eleições municipais passaram e 2005 é ano de calmaria. E concluiu: "É hora de fazer as apostas. Estamos nesse momento com um cacife extraordinário. Temos que fazer esse patrimônio reproduzir de maneira responsável", instigou Furlan, como se estivesse em uma partida decisiva de pôquer. "Eu colocaria como o grande objetivo gerar emprego e, a partir dele, vem uma série de desdobramentos, como capacitação, educação, mudança da legislação trabalhista. Temos que reconhecer que estamos no século XXI com uma legislação da metade do século XX". A essa prioridade, na avaliação do ministro, se alinha a questão dos investimentos. "Fala-se em investir R$ 3 bilhões em determinada área. Isso é apenas 0,2% do PIB, para uma carga tributária de mais de 30% (35,8%). Não é nada!", comenta. Esse valor, de cerca de R$ 3 bilhões, corresponde à carteira de investimentos, sobretudo em transportes, que o governo negocia com o Fundo Monetário Internacional para que sejam retirados do cálculo do déficit público. O país entra o ano de 2005 "com cenário de crescimento, risco Brasil cadente - pode ficar abaixo de 400 pontos base - e quais são os próximos lances? Cada vez que se galga um degrau, se enxerga mais longe. E acreditar que teremos os mesmos desafios de janeiro de 2003 e 2004 é equivocado", prosseguiu. Furlan já teve essa conversa com Lula. "Sinto no presidente que ele tem consciência desse momento e sabe que 2005 será o ano de colocar a marca do seu governo. Fincar bandeira". O predomínio da visão meramente fiscalista mereceu, do ministro, uma outra avaliação. "Para quem já foi professor universitário, é muito fácil fazer um exercício no papel e chegar ao Como Queríamos Demonstrar (CQD). O difícil é ir à campo e fincar a bandeira e, para fincá-la no alto do morro, é preciso subir, matar jacaré, e tem risco nisso". No Senado, Furlan também criticou o patamar da taxa de juros e chamou a atenção para os riscos do câmbio valorizado, lembrando que faz parte de sua função "fazer a legítima pressão para que o desenvolvimento ocorra".