Título: A caminho do modelo exportador de gás natural
Autor: Adriano Pires
Fonte: Valor Econômico, 02/12/2004, Opinião, p. A-14

Com a tendência de alta nos preços do petróleo, a alternativa de uso do gás natural ganha cada vez mais importância, particularmente para regiões produtoras, como o Estado do Rio de Janeiro, que responde por 49% das reservas de gás natural e 42% da produção no país. O potencial de crescimento sócio-econômico será maior caso o Rio incremente a demanda local e não se transforme em região exclusivamente voltada para a exportação de gás natural para outros Estados. A possibilidade de exportação do gás, que hoje se destina ao Estados de Minas Gerais e São Paulo, crescerá na medida em que a infra-estrutura de transporte se estender para o Espírito Santo e Estados do Nordeste, como planeja fazer a Petrobras até 2007. As oportunidades para o incremento do consumo local dependerão, dentre outros fatores, de pesados investimentos nas redes de distribuição operadas pela CEG e CEG-Rio. Na falta de uma rede de distribuição capilar, que efetivamente leve o produto até o consumidor final, a demanda de gás natural ficará limitada a um número restrito de municípios, e o Estado do Rio perderá a chance de disseminar e interiorizar o uso do energético. Como resultado, a indústria e o comércio não contarão com as vantagens tecnológicas e operacionais do uso do gás natural. O mercado de gás natural veicular não se expandirá além dos grandes centros, limitando os ganhos monetários para os motoristas e o aprimoramento das condições ambientais. Sem o aumento significativo da rede de distribuição será impossível alcançar os consumidores residenciais, principalmente aqueles localizados nas cidades de médio porte do interior do Estado. Esse é, no entanto, o cenário que se avizinha diante do impasse no qual se encontra o processo de revisão das tarifas de distribuição da CEG e CEG-Rio. De um lado, o relatório da Universidade Federal Fluminense (UFF), contratada pela Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos (Asep), discorda da metodologia de cálculo empregada pelas empresas para chegarem na sua proposta tarifária e propõe nova abordagem. Por outro lado, as concessionárias afirmam estar seguindo o que dispõe o contrato de concessão, assinado em 1997 com o governo do Estado, no qual constam diretrizes para o cálculo do reajuste das tarifas. Diante de metodologias e informações diversas, a UFF e as concessionárias chegaram a resultados significativamente díspares. Enquanto a CEG e a CEG-Rio propõem a manutenção das tarifas nos níveis de dezembro de 2001 - com exceção do valor para o GNV, que aumentaria cerca de 6% - os cálculos da UFF conduzem a redução de 37,5% e 29,8% nas respectivas margens. Com essa redução nas margens, as tarifas da CEG e da CEG-Rio cairiam até 33,8% e 26,7% dos níveis vigentes em 2001, respectivamente. Tamanha redução nas tarifas é fato inédito em revisões desse tipo no Brasil. Caso sejam praticadas, esses cortes certamente irão comprometer a geração de caixa futura das empresas e seus planos de investimento. Além disso, a utilização de outra metodologia tarifária, distinta daquela prevista pelo contrato de concessão, conduz a um contexto de instabilidade jurídica, que afeta negativamente todos os serviços públicos concedidos no Estado. Dado o impasse, a revisão das tarifas pode resultar em longa disputa na Justiça que, enquanto não for resolvida, impedirá novos investimentos. Diante desse quadro negativo, sugerimos que a Asep examine a questão com base em quatro pilares. Primeiro, devem ser preservados os dispositivos legais constantes do contrato de concessão assinado entre as concessionárias e o governo do Estado em 1997, de modo a dar segurança e previsibilidade aos investidores. Em segundo lugar, é crucial estabelecer uma tarifa que garanta remuneração adequada para os novos investimentos. Terceiro, é importante garantir o repasse de ganhos de produtividade às diferentes classes de consumidores. Por fim, o processo de revisão das tarifas deve estar apoiado na experiência regulatória de empresas similares e de outros reguladores no Brasil e no mundo. O desenvolvimento da indústria de gás natural no Estado do Rio e em outros Estados produtores de gás natural exigirá também ações a nível federal. É urgente a criação de um marco legal em nível federal, que estabeleça um regime de tarifas de transporte reguladas, incentive a construção de novos gasodutos de transporte e a entrada de novos investidores no setor. Ao mesmo tempo, é fundamental dar mais transparência aos preços e tarifas de transporte do gás cobradas pela Petrobras. Nesse aspecto, cabe aos governos estaduais pressionarem para que a política tarifária da Petrobras incorpore o fator distância, de forma a reduzir os custos de fornecimento e fazer valer as vantagens comparativas de localização. A inserção do gás natural na estrutura produtiva do Estado do Rio de Janeiro enseja uma chance única para a atração de novos investimentos em setores energo-intensivos e ampliação da produtividade e qualidade dos produtos e matérias-primas produzidos no Estado. Sendo assim, seu crescimento representa um dos principais pilares da estratégia de desenvolvimento regional. Para que este potencial seja explorado, é vital exigir do governo federal uma política de preços transparente, e que o Estado do Rio, através da Asep, dê condições tarifárias para a expansão sustentada da infra-estrutura de distribuição. Caso contrário, restará ao Estado unicamente o papel de exportador de gás natural.