Título: Reforma pode ajudar a descriminalizar a política
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Fonte: Valor Econômico, 27/07/2011, Opinião, p. A12

Após uma semana em que afastou a cúpula do Ministério dos Transportes, escalão avançado das malfeitorias do Partido da República (PR), a presidente Dilma Rousseff chamou um grupo de jornalistas para um cafezinho, na última sexta-feira, 22. A presidente anunciou que sairiam todos os integrantes do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e da Valec, mas foi com cuidado e elegância que tratou dos malfeitos de políticos e seus afilhados no governo. "Não se pode criminalizar a política", disse.

Tem razão a presidente. Numa democracia, a política é o instrumento de mediação dos conflitos da sociedade. Malfeitores há em todas as atividades e em todos os países. Ou alguém dúvida que não há corrupção nos EUA ou no Japão, por exemplo. Não há como esquecer ministro asiático dando tiro na própria cabeça ao ser pilhado metendo a mão no dinheiro público. Mas não há como negar que a política brasileira está enlameada e são necessárias providências para resgatar a imagem dos poderes.

São providências cuja iniciativa cabe aos próprios partidos e seus representantes eleitos, que há muito se omitem de suas obrigações. Uma delas é a urgentemente necessária reforma política, que deputados e senadores temem em enfrentar por insegurança eleitoral.

Quando se fala de corrupção, são três os grupos de atores. O primeiro é a representação política, na qual há evidentemente e sempre haverá aqueles dispostos a se corromper; o segundo é constituído de setores empresariais interessados em corromper; e por último, o grupo de servidores públicos que facilitam a ação dos demais atores.

Esse é um dos pilares da base na qual se assenta o financiamento ilegal das campanhas eleitorais, cada vez mais caras e sofisticadas: o parlamentar indica o diretor do órgão público que vai aprovar e liberar a obra a ser executada pela empresa amiga, que na eleição retribui a ajuda.

Os contornos do sistema ficaram bem delineados nas CPIs que investigaram o esquema do mensalão - esquema, aliás, que os próprios acusados diziam se tratar de caixa 2 para financiamento de campanhas.

É claro que essa não é a única fonte do caixa 2 de empresas. Por outro lado, é importante lembrar, também, que mesmo grandes somas doadas "por dentro", como os políticos chamam as doações legais para as campanhas, chegam carregadas da ideia do tráfico de influência.

Esse é o nó a ser desatado na reforma política. Na volta do recesso parlamentar, o deputado Henrique Fontana (PT-RS) vai apresentar seu parecer sobre o projeto. A solução do deputado para o problema é o financiamento público de campanha. É uma ideia. Tem seus prós e seus contras. Muitos temem que só instituição do financiamento público não vai necessariamente acabar com o caixa 2. Mas o importante é discutir e resolver o assunto de uma vez por todas.

A reforma certamente não será a panaceia da política brasileira, mas sem dúvida pode contribuir para o aperfeiçoamento de um sistema político que hoje é considerado um dos fatores importantes para o Brasil ser reconhecido pelas agências de risco como um país com bom ambiente para o investimento interno, apesar das dificuldades fiscais recorrentes em suas contas.

Afinal, são 25 anos ininterruptos de prática democrática, na qual o direito da oposição de assumir o poder foi respeitado quando o PT ganhou a eleição de 2002. Algo impensável em nosso passado de golpes militares.

Enquanto a reforma não é aprovada, os partidos bem que poderiam tomar iniciativas saneadoras, como prestar mais atenção à folha corrida de seus filiados. Cabe a eles cuidar de sua imagem. E não é bom para a democracia brasileira o enfraquecimento dos partidos em favor do personalismo na política, como tem ocorrido nos últimos anos.

Sem dúvida Dilma está coberta de razão quando afirma que "não se pode criminalizar a política". Mas está passando da hora de os congressistas deixarem de se omitir sobre um sistema político que decididamente se esgotou. Não se trata de mudar para que tudo continue como está, com políticos infiéis, partidos em profusão e assalto aos cofres públicos para financiamento de campanhas e do próprio bolso. Mas de renovar, oxigenar o sistema para que ele se fortaleça ainda mais nos próximos 25 anos.