Título: Foro privilegiado atrasará julgamento no STF
Autor: Juliano Basile
Fonte: Valor Econômico, 18/04/2006, Política, p. A10

Relator do inquérito do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Joaquim Barbosa, admitiu, ontem, que o caso deve demorar meses, até anos, para ser julgado, e fez um apelo para que o Congresso acabe com o foro privilegiado. "O foro privilegiado é uma excrescência tipicamente brasileira", acusou Barbosa. No caso específico do mensalão, como há parlamentares envolvidos na denúncia, todos os 40 indiciados responderão junto ao STF, o que irá atrasar bastante o julgamento. Se não houvesse foro privilegiado, um juiz da 1ª instância decidiria sobre a viabilidade da denúncia numa única canetada, explicou Barbosa. Como há o foro, o processo passará por três fases longas e desgastantes no Supremo.

O inquérito do mensalão será um processo "tortuoso e sinuoso" no STF, lamentou Barbosa. Hoje, o inquérito tem 5 mil páginas e 65 anexos, sem contar os documentos da CPI dos Correios que não foram incluídos ainda. "É impossível falar num prazo para a conclusão deste caso, mas sabemos que haverá percalços e incidentes processuais e irá demorar."

Na primeira fase, o STF terá de notificar cada um dos 40 indiciados. O primeiro problema, segundo o ministro, é que os acusados moram em diversos estados. Para acelerar os trabalhos, Barbosa criou grupos e mandou notificar primeiro aqueles que têm residência no Distrito Federal (caso dos parlamentares). Os restantes serão notificados depois através de "cartas de ordem" emitidas à Justiça Federal dos estados. O ministro acredita que conseguirá notificar todos os acusados dentro de um mês.

Em seguida, será aberto o prazo de acesso aos autos do inquérito. Os advogados dos 40 indiciados terão 15 dias cada um para apresentar defesa. Se os prazos fossem sucessivos, essa fase demoraria 2 anos e 40 dias, calculou Barbosa. "Isso é inviável", reclamou o ministro. Logo, será um prazo comum para todos. Mesmo assim, os 15 dias podem se transformar em meses, ou até anos, pois cada um dos 40 indiciados pode trazer documentos novos. Bancos e empresas envolvidas também podem se insurgir contra as investigações. O ministro terá de abrir prazos de cinco dias para o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, apresentar réplicas para cada um desses fatos novos.

Então, Joaquim Barbosa analisará os documentos e as réplicas para levar aos demais ministros do STF uma proposta pelo acolhimento ou não da denúncia. Neste primeiro julgamento, cada advogado dos 40 indiciados terá 15 minutos para "defesa oral". Assim, o julgamento pode demorar dias. Ao final, os ministros poderão acolher a denúncia com relação a alguns e negar para outros. Cada caso será analisado individualmente.

Se a denúncia for aceita, o inquérito será transformado em ação penal e os indiciados em réus. Começa aí a segunda fase. Os réus serão citados novamente e, agora, serão interrogados. Após os interrogatórios, cinco dias para defesa prévia de cada um e oitiva de testemunhas. Barbosa calcula que serão mais de 100 testemunhas neste caso. Só o Ministério Público apresentou 41 testemunhas de acusação. Nessa etapa, os réus poderão pedir novas diligências processuais - perícias contábeis, acareação, exames de provas -, atrasando ainda mais o andamento da ação. Se Barbosa negar as diligências, os acusados poderão recorrer aos demais dez ministros do STF.

A terceira fase é o julgamento da ação penal. Nessa última etapa, cada advogado terá uma hora para "defesa oral". Serão várias sessões só para julgar este caso, prevê o ministro. A solução, concluiu Barbosa, é acabar com o foro privilegiado. "O Supremo não tem vocação, nem estrutura para julgar ação penal. O STF foi concebido para discutir questões abstratas com grande repercussão no país, e não para confrontar provas", diferenciou o ministro.

Para Barbosa, o foro privilegiado é uma "racionalização da impunidade". Ele lamentou que, no Brasil, a legislação seja diferente da americana e deu exemplos. Nos Estados Unidos, o então presidente Bill Clinton foi julgado pela 1ª instância, lembrou o ministro. No Brasil, o Congresso quer aprovar emenda constitucional ampliando o foro para as autoridades (ministros e parlamentares) que deixaram o cargo. Este privilégio das ex-autoridades foi retirado pelo STF em setembro do ano passado e, agora, o Congresso quer rever a questão.

Joaquim Barbosa recebe entre 600 a mil processos por semana em seu gabinete. É relator de oito mil ações, participa de três sessões de julgamento por semana. Além do STF, ele é ministro substituto do Tribunal Superior Eleitoral. Agora, irá destinar uma sala exclusiva no Supremo para o inquérito do mensalão, até para evitar que o caso demore mais do que oito anos, prazo em que prescreve o crime de formação de quadrilha - um dos mais constantes entre os acusados do mensalão. Questionado sobre a possibilidade de o STF tomar medidas extremas para evitar a demora, Barbosa disse que a solução não está no tribunal. "Que mudem a Constituição e tirem o foro privilegiado", pediu.