Título: Líder chinês inicia visita aos EUA para tentar desarmar tensão
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Fonte: Valor Econômico, 18/04/2006, Internacional, p. A12

"Muito positivas e complexas." Foi dessa maneira ambivalente que nesta semana o presidente George Bush caracterizou as relações de seu país com a China. Quando seu colega Hu Jintao fizer sua primeira visita presidencial à Casa Branca, depois de amanhã, Bush se empenhará em administrar um relacionamento que muitos em Washington vêem mais simplesmente como negativo.

Os dois líderes estão ansiosos por evitar que discordâncias comprometam gravemente os vínculos entre os dois países. Porém muito dependerá de como eles administrarem as opiniões públicas em seus próprios países.

Este é um momento particularmente delicado. A proximidade das eleições legislativas americanas de meio de mandato presidencial, em novembro, está estimulando democratas e republicanos a jogarem com as preocupações dos eleitores sobre a suposta ameaça que a rápida ascensão econômica chinesa significaria para os empregos dos americanos.

O governo dos EUA quer que a China ajude a conter as ambições nucleares do Irã e da Coréia do Norte. A China quer que os EUA contenham Taiwan, onde a eleição presidencial de 2008 já está ameaçando criar nova turbulência na difícil relação da ilha com o continente (a China considera Taiwan uma sua província rebelde). E nenhuma das partes acha que a outra está fazendo o suficiente.

Hu está particularmente interessado nessa viagem, sua primeira visita a Washington desde que assumiu o comando do Partido Comunista, em 2002, e a Presidência, em 2003. Quer consolidar suas credenciais de estadista perante seu público doméstico. Ele deveria ter ido aos EUA em setembro passado, mas a viagem foi cancelada por causa do furacão Katrina.

Bush, porém, preocupado em não parecer excessivamente amistoso diante de um país que tantos americanos vêem com desconfiança, não está desenrolando o tapete vermelho todo. As autoridades chinesas insistem em qualificar o evento de visita de Estado. A Casa Branca não está usando esse nível de rótulo protocolar. Visitas de Estado envolvem um jantar formal; Hu ganhará apenas um almoço.

Esse jogo de cena é importante para Hu. Assim como Bush, ele está sob pressão no plano interno. O partido comunista está começando a pôr suas engrenagens em marcha para seu congresso qüinqüenal, no ano que vem, e Hu precisa de toda a autoridade que puder reunir para conseguir colocar seus protegidos em cargos-chave.

Assim como no Congresso americano, há crescente preocupação na China sobre o impacto da globalização. Hu quer parecer forte na presença de Bush. Isso significa não parecer estar capitulando diante das exigências comerciais dos americanos.

Mas Hu está fazendo gestos conciliatórios. A China não quer que guerra comercial comprometa seu maior mercado no exterior. Para ajudar a reduzir o déficit comercial recorde dos EUA com a China, estimado pelos americanos em US$ 202 bilhões no ano passado (veja gráfico), uma delegação chinesa embarcou na semana retrasada numa viagem de compras pelos EUA, que resultou em contratos num valor em torno de US$ 15 bilhões. Como parte dessa iniciativa, em 11 de abril a China assinou um acordo comprometendo-se a comprar 80 aviões Boeing, no valor de US$ 4,6 bilhões, e anunciou que reiniciará a compra de carne bovina dos EUA, vetada desde 2003 por causa da doença da vaca louca.

Em resposta às preocupações americanas frente ao desenfreado descumprimento dos direitos de propriedade intelectual na China, as autoridades chinesas encenaram uma exibição de determinação nas últimas semanas. Algumas lojas em Pequim que vendiam DVDs pirateados foram fechadas. Surgiram cartazes nas ruas conclamando os cidadãos a não adquirir o produto. No fim de março, o governo ordenou que os fabricantes de computadores forneçam as máquinas já com um sistema operacional legítimo, para evitar que os varejistas instalem versões piratas.

Ontem, a empresa chinesa Lenovo anunciou a compra de US$ 1,2 bilhão em softwares da Microsoft. O presidente Hu visitará hoje a sede da empresa, em Seattle, e vai jantar na casa de Bill Gates, o fundador da Microsoft.

É improvável que essas demonstrações de boa vontade tenham grande impacto. Bush exortou Hu a aproveitar sua visita para fazer algum anúncio sobre a desvalorizada moeda chinesa. Mas há poucas chances de que Hu diga algo importante sobre isso. Nas últimas semanas, a China permitiu que o yuan valorizasse um pouco mais rapidamente, mas não demonstra o desejo de dar os grandes passos exigidos pelos políticos americanos, para quem a moeda chinesa estaria desvalorizada em até 40%.

A principal preocupação de Hu é com a estabilidade em seu país, e uma valorização rápida colocaria isso em risco. Felizmente para ele, Bush, ao contrário de alguns congressistas, não parece inclinado a comprar a briga. A publicação do relatório do Tesouro americano, que poderá acusar a China de manipular sua moeda, foi adiado para depois que Hu tiver partido. Mesmo no Congresso, cabeças mais frias ainda poderão prevalecer.

No mês passado, dois senadores retiraram um projeto de lei que ameaçava impor tarifas de importação de 27,5% sobre as exportações chinesas, se a China não valorizasse bem a sua moeda.

Outros exercícios de boa vizinhança estão em andamento. Autoridades subordinadas a Hu responderam com demonstração de entusiasmo às sugestões do governo Bush, pela primeira vez aventadas no ano passado, de que o papel da China no mundo deveria ser de "participante responsável".

Os chineses gostam de chamar a atenção para seu papel mediador no esforço de persuadir a Coréia do Norte a desistir de seu programa de armas nucleares. A China tentou aproveitar um fórum privado em Tóquio, na semana passada, do qual participaram autoridades norte-coreanas e americanas, para tentar convencer a Coréia do Norte a reiniciar negociações. Mas parece que a iniciativa fracassou.

Nessa mesma linha, a China diz que a discussão sobre o programa nuclear iraniano deve ser solucionado sem sanções ou uso de força. Mas os chineses não ameaçaram publicamente valer-se de seu direito a veto na ONU para barrar uma eventual tentativa americana de intensificar a pressão sobre o Irã.

Nos últimos meses, a China chegou a enviar sinais de que desejaria algum progresso em negociações com representantes do Dalai Lama e do Vaticano. Poucos esperam progresso real para breve. Mas, num gesto com a clara a intenção de agradar Bush, no mês passado a China permitiu que uma freira tibetana, presa há 14 anos por seu apoio aberto ao Dalai Lama, fosse aos EUA para tratamento médico.

Apesar disso, Hu não demonstrou disposição real para abrandar a repressão contra dissidentes. Preocupado com que as rápidas mudanças econômicas e sociais possam provocar instabilidade, ele está apertando os controles. Bush recentemente descreveu a China como sendo uma "grande oportunidade para a democracia". Nesse aspecto, Hu o desapontará.

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