Título: Um centavo pelos pensamentos dos investidores
Autor: Martin Iglesias
Fonte: Valor Econômico, 18/04/2006, Eu &, p. D2

Um centavo pelos seus pensamentos é o que dizem os americanos quando ficam intrigados em saber o que se passa na mente de alguém. Imagine que fosse possível entender o que se passa na cabeça do investidor e transformar isso em funções matemáticas que ajudem a compreender como é o processo de tomada de decisão de investimento. Parece assustador, saído das páginas de George Orwell mas, na verdade, isso já existe e não é fruto das divagações de um cientista maluco, mas de um psicólogo ganhador de um Prêmio Nobel.

Daniel Kahneman trabalha há mais de 25 anos para entender como as pessoas avaliam situações que envolvem riscos. A teoria do prospecto desenvolvida por ele e por Amos Tversky surgiu para tentar entender respostas que pareciam irracionais. A teoria do prospecto é, portanto, a lógica por trás da aparente irracionalidade.

Neste sentido, esta teoria difere de outras tantas. Ela foi criada a partir de constatações da realidade e não de um modelo matemático que em muitas ocasiões não reflete a realidade. A matemática está presente nesta teoria, mas surge para delimitar e dar estrutura aos fatos observados por Kahneman e Tversky ao longo dos anos.

Ela sintetiza o comportamento do investidor em duas equações. A função de valor (VF) e a função de ponderação de probabilidades (PWF). A primeira calcula o valor subjetivo associado a cada ganho ou perda. De forma simplificada, a perda de uma unidade monetária gera desgosto que só pode ser compensada pelo ganho de duas unidades monetárias. A segunda função mede como mentalmente os indivíduos avaliam as probabilidades. De forma geral, as pessoas tendem a sobreavaliar chances muito baixas e a subavaliar chances medianas ou altas.

Todo investimento pode ser representado como um conjunto de retorno e risco esperados, ou seja, todo investimento é uma distribuição de probabilidades. Com o retorno e o desvio padrão, é possível calcular a utilidade de um investimento. Basta colocar as chances de ocorrência de cada retorno na PWF e multiplicar o resultado pelo valor associado a cada ganho ou perda. A somatória dessa multiplicação para todos os retornos é a utilidade do investimento. Complicado? De fato, não é tão simples como o cálculo dos índices normalmente utilizados para comparar o desempenho dos fundos. Mas uma boa planilha eletrônica consegue dar conta do recado. E com uma vantagem: esta avaliação é aquela que o investidor faz, mesmo sem saber fazer a conta, pois na verdade ele a faz com o seu "coração" ou com o seu "estômago", não com seu micro ou sua calculadora.

Benartzi e Thaler usaram as idéias de Kahneman para tentar explicar o prêmio de risco do mercado acionário (Equity Premium) dos EUA. Eles definiram o conceito de "Aversão a Perdas Míope", segundo o qual muitas pessoas relutam a investir em ações em função da aversão a perdas (definida por Kahneman) e do curto período de avaliação dos resultados, mesmo para aqueles investimentos realizados com objetivos de longo prazo.

Eles concluíram que a atratividade das ações é inferior aos investimentos em renda fixa quando o período de avaliação é curto. Já em prazos maiores, a situação se inverte. Isto ocorre porque a volatilidade das ações é alta e em horizontes curtos acaba provocando, com grande freqüência, resultados negativos, o que desagrega muita utilidade em função da aversão a perdas. Quando o horizonte de avaliação aumenta, acontecem dois efeitos. O primeiro é que a freqüência de retornos negativos diminui (em função da diversificação temporal ou "time diversification") e em segundo lugar o Equity Premium aparece. Ou seja, a aversão a perdas e os curtos horizontes de avaliação acabam fazendo com que muitos investidores não invistam em ações e, conseqüentemente, não se beneficiem dos retornos do mercado acionário no longo prazo.

Cabe aos assessores financeiros entender os vieses de comportamento, como a aversão a perdas míope, para que possam ser abordados e combatidos mais eficientemente. Mas não são eles os únicos que podem utilizar a teoria do prospecto como uma nova ferramenta. Áreas de produtos e asset managers também podem utilizá-la, pois permite lançar produtos e gerir portfólios que agreguem maior valor ao investidor.

Há momentos em que as práticas são reformuladas. As finanças comportamentais podem ser um desses pontos de mudança não só para investimentos, mas também para seguros e até branding.

Ah! Já ia me esquecendo... Pode guardar o seu centavo, pois Kahneman já desvendou a mente do investidor.

Martin Iglesias é gerente sênior do Wealth Management Services do BankBoston

E-mail bam@bkb.com.br

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