Título: Estudo aponta aumento da intenção de compra da classe média em 2006
Autor: Mara Luquet, para o Valor
Fonte: Valor Econômico, 17/04/2006, Brasil, p. A2

"O brasileiro este ano vai poder ver os jogos da Copa do Mundo numa televisão nova." A frase não é mais uma das metáforas usadas pelo presidente Lula. O dono da bola, neste caso, é o economista Fábio Silveira, da RC Consultores, que observou taxas históricas de inadimplência e intenções de compra futura do consumidor, e constatou que o bem-estar econômico do brasileiro melhora a cada dia e tudo indica que este vai ser um grande ano para a classe média.

"O bem-estar material hoje é semelhante ao observado em 2004 e a tendência é melhorar ao longo do ano", diz Silveira. Isso porque as taxas de juro estão em queda, o que significa que haverá um aumento dos prazos dos financiamentos num futuro próximo, e a massa salarial está em expansão. São ingredientes básicos para ter, portanto, um crescimento de demanda em 2006.

"A inadimplência hoje vigente não é preocupante", diz Silveira. "Ainda há um bom espaço para as famílias se endividarem." O percentual de consumidores endividados passou de 61%, em março de 2005, para 64% em março deste ano. Um movimento que, afirma Silveira, pode ser considerado normal. Apesar do crescimento da parcela dos endividados, a proporção de consumidores com contas atrasadas sobre o total de endividados declinou de 45% para 42%. "A parcela dos consumidores que pretendem pagar total ou parcialmente suas dívidas agora é de 78%, em comparação com apenas 66% em março do ano passado", revela Silveira em seu estudo.

A taxa de inadimplência deu um salto no mês de março, de 6% para 9,3%. No entanto, representa uma elevação de apenas 1,1 ponto percentual em relação a março do ano passado e, ainda assim, o índice está muito abaixo do pico observado nos anos 90, quando a taxa passou dos 20% . "É apenas um ponto numa longa curva declinante", diz Silveira. É importante observar o comportamento da taxa nos próximos meses, mas Silveira acha difícil que ocorra uma piora de cenário. "O pior momento da inadimplência já passou", diz Emílio Alfieri, economista da Associação Comercial de São Paulo.

O índice de intenção de compra também deu uma sacudida em março e houve um pequeno recuo. "Pode ter sido efeito da gripe aviária, da crise política ou até mesmo das prestações do crédito consignado que começaram a vencer", afirma Silveira. Mas, segundo ele, o fato é que a "trajetória mostra que há uma forte propensão ao consumo este ano", acrescenta. "A evolução positiva da curva de confiança desde novembro do ano passado, e a trajetória de elevação do índice de intenções futuras continuam reforçando a expectativa de melhora das vendas a prazo nos próximos meses."

Ao cruzar os dados dos diversos indicadores de consumo, Silveira chegou a conclusão de que, apesar das crises recentes, a propensão do brasileiro ao consumo é equivalente ao padrão de 2004. Há, portanto, uma clara sinalização de recuperação econômica que pode ser acentuada com os jogos da Copa Mundo, em junho.

Alfieri, conhecedor como poucos do tema, concorda que o consumidor está mais confiante, mas olha os números com cautela. "Reconheço que 2006 já está assegurado, mas a dúvida é 2007", diz ele. "Todo mundo sabe que as taxas de juro vão cair até 15%, mas será que cai mais?" Por enquanto, diz, a perspectiva é de melhora. "Mas precisamos aguardar, porque o juro básico nunca caiu abaixo de 15%."

Alfieri observa que desde o Plano Real sempre ocorre um movimento que interrompe essa trajetória otimista do comércio. Por isso, prefere manter um "otimismo cauteloso". Segundo ele, a correlação entre o índice de confiança do consumidor e as vendas propriamente ditas é fraca historicamente.

"A correlação do índice de confiança do consumidor com a popularidade do governo costuma ser bastante alta. O índice é mais útil para os analistas políticos do que para as vendas", avalia Alfieri, para quem a demissão do ministro da Fazenda Antonio Pallocci afetou pouco a confiança do consumidor.

O cientista político Fernando Abrucio observa que o que esses economistas estão dizendo explica a posição do presidente Lula nas pesquisas. "A classe média está sendo beneficiada pela economia." Inflação baixa, créditos com taxas mais razoáveis e crescimento do emprego metropolitano podem levar a classe média a ficar com o presidente Lula nas próximas eleições, se não enxergar uma agenda que o conquiste nos candidatos da oposição.

"São variáveis que aumentam o bem-estar e que começam a chegar na classe média", diz Abrucio. "O eleitor vai olhar os oito anos do governo do PSDB e vai comparar com o que experimenta hoje e pode optar por permanecer com o governo atual, porque terá medo de arriscar trocar o conforto por uma agenda que não o conquiste", afirma. "Tem muita gente hoje recuperando o emprego, e que vai poder comprar televisão nova a prazo para ver os jogos da Copa do Mundo, e isso se reflete em bem-estar para a população."

O brasileiro já havia experimentado essa sensação antes, quando surgiram os primeiros efeitos do Plano Real. Tanto foi assim que elegeu Fernando Henrique Cardoso, o ministro da Fazenda da época. Ocorre que as crises externas que afetaram as economias emergentes a partir do segundo semestre de 1997 colocaram a economia brasileira numa situação bastante adversa e fizeram com que o governo tivesse que adotar medidas bastante amargas, a principal delas o forte aumento das taxas básicas de juro.

Em conseqüência disso, grandes magazines sofreram fortemente com a inadimplência e muitos desapareceram do mapa. O consumidor, bem, naquela época estava endividado em dólar e viu sua dívida dobrar da noite para o dia por conta do fim da âncora cambial que dava sustentação ao Plano Real.