Título: Insatisfação de eleitores não impedirá polarização
Autor: Raquel Ulhôa
Fonte: Valor Econômico, 17/04/2006, Política, p. A9

A mais de cinco meses das eleições presidenciais, analistas políticos consideram definitiva a polarização entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), repetindo o que já aconteceu na eleição passada. Descartam o surgimento de outro candidato com viabilidade eleitoral, embora boa fatia do eleitorado manifeste, nas pesquisas de intenção de voto, aparente insatisfação com ambos. Magdalena Gutierrez/Valor - 30/8/2004 Lula e Alckmin: falta de opções e as restrições impostas pelas regras eleitorais são os principais obstáculos à emergência de uma alternativa a ambos

Especulações sobre suposta terceira via foram estimuladas pelo desempenho de Alckmin nas pesquisas. O instituto Datafolha registrou queda de 23% para 20% das intenções de voto do tucano, de março para abril. A pesquisa da CNT/Sensus registrou pequeno crescimento de fevereiro (29,7%) para abril (33,2%).

A performance do tucano gerou rumores de uma eventual substituição sua pelo ex-prefeito José Serra (PSDB), pré-candidato a governador de São Paulo. A hipótese é negada pelos tucanos. "Se isso acontecer, eu farei campanha para o Lula", diz o deputado Eduardo Paes (RJ). A oficialização das candidaturas só ocorre na convenção de junho.

O cientista político Murillo Aragão, analista sênior da Arko Advice - Análise Política, considera improvável, mas não impossível, uma eventual substituição de Alckmin por Serra. "Seria uma fonte de surpresa. O desempenho de Garotinho nas pesquisas indica que há espaço para um terceiro nome", afirma.

O Garotinho se lançou na disputa presidencial com a intenção de "quebrar a polarização PT-PSDB". Mas a análise das pesquisas mostra que ele não ultrapassa o teto dos 15%, segundo analistas. Além disso, sua candidatura enfrenta resistências no próprio partido.

A falta de opções e as restrições impostas pelas regras eleitorais são os principais obstáculos à emergência de uma alternativa eleitoral, segundo analistas. A obrigatoriedade da verticalização das alianças partidárias desestimula os partidos a lançarem candidatos a presidente, pois ficariam impedidos de se coligar nos Estados com siglas adversárias na disputa nacional. Além disso, o fato de o presidente da República estar na disputa por um segundo mandato afasta a concorrência.

A intenção manifestada pelo ex-presidente Itamar Franco de disputar com o ex-governador Anthony Garotinho a vaga de candidato foi recebida com indiferença por especialistas. O gesto foi visto mais como um blefe de Itamar para reforçar sua pretensão de disputar o Senado. E ele não parece empolgar o eleitor.

O nome do ex-presidente deixou de constar de pesquisas, segundo o técnico de um grande instituto, porque seu desempenho não passa de 6% a 8%. Segundo ele, quando a pergunta é sobre a autoria do Plano Real, Fernando Henrique Cardoso é apontado por mais de 90% e Itamar, por menos de 5%.

Mantido o quadro atual - em que a popularidade de Lula sobrevive aos escândalos em seu governo e Alckmin não foi comprometido pelas denúncias contra sua gestão -, a decisão deve mesmo ficar entre ambos.

"Há uma fatia do eleitorado descontente com a polarização entre PT e PSDB, que é artificial, induzida pelas regras do jogo. Analisando os resultados das pesquisas, somados os índices de, aproximadamente, 13% de abstenção, 15% de Garotinho e 10% de brancos e nulos, são cerca de 38% que não querem os dois principais candidatos", afirma o analista sênior do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos (Ibep), Luciano Dias.

Mas ele não acredita em terceira via. "Não há nomes, não há lideranças carismáticas emergentes, e não existe um ambiente de crise em que o eleitor procure um salvador da pátria", diz.

O sociólogo Antonio Lavareda, da consultoria MCI, especializada em marketing, estratégia e comunicação institucional, vai além: para ele, não só a polarização entre Lula e Alckmin é definitiva, como há uma forte tendência de que a eleição se decida no primeiro turno. "É uma eleição fortemente bipolarizada, que assume uma lógica de segundo turno já no primeiro. Como o PMDB não deve ter candidato próprio, a chance de ser resolvida no primeiro turno é elevadíssima", afirma. Para ele, a vantagem seria do tucano, que, segundo as pesquisas, herdaria a maior parte dos votos de Garotinho.

Para Lavareda, os votos indecisos, brancos e nulos - que somaram mais de 20% na última pesquisa CNT/Sensus (em caso de segundo turno entre Lula e Alckmin) - refletem a falta de envolvimento do eleitor com a eleição. "A maioria dos brasileiros está hoje mais preocupada com a Copa do Mundo", diz.

O cientista político Rogério Schmitt, da Tendências Consultoria, está seguro de que a eleição será decidida entre Lula e Alckmin, "seu principal antagonista". Ele prevê aumento do "voto de protesto", por meio dos brancos e nulos. "A crise política atinge a popularidade do político e desanima o eleitor. Tem gente frustrada, que desacreditou na política. Não é nada preocupante, mas o voto de protesto tende a voltar com alguma força", diz Schmitt.

Para o historiador Marco Antonio Villa, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade de São Carlos (SP), a polarização entre PT e PSDB é "péssima". Para Villa, o segredo da liderança de Lula está "mais na incompetência da oposição em construir uma proposta alternativa do que em seus próprios méritos". Segundo ele, até hoje ninguém sabe qual é o projeto de governo de Alckmin. Considera cedo para prever resultados.

O presidente do PSDB, senador Tasso Jereissati (CE), descarta mudanças no quadro eleitoral. Ele espera um crescimento significativo de Alckmin somente com a propaganda eleitoral na televisão, já que ele é desconhecido de 50% da população.

Para o líder do PT na Câmara, deputado Henrique Fontana (RS), a polarização favorece Lula, porque Alckmin tem a marca do governo FHC "Na comparação, a população vai avaliar que Lula melhorou o Brasil e as condições de vida do brasileiro", diz.

A polarização entre Lula e Alckmin tende a acirrar a disputa entre governo e oposição. Preocupado com os ataques, o ministro Tarso Genro (Relações Institucionais) procurou PSDB e PFL. "Se não tivermos um mínimo de racionalidade, o vencedor dessa eleição não governa", teria dito o ministro, segundo líderes.