Título: A comparação falaciosa entre a taxa Selic e a TJLP
Autor: Antonio Carlos Teixeira Álvares
Fonte: Valor Econômico, 17/04/2006, Opinião, p. A12

Temos assistido neste jornal ao interessante debate entre os especialistas que atribuem subsídio às operações financeiras do BNDES e aqueles que discordam dessa avaliação. O professor Carlos Kawall destacou, em seu artigo publicado em 13 de março passado, que os empréstimos do BNDES com base na TJLP são um mecanismo propulsor do desenvolvimento. Para Claudio Haddad, do Ibmec, em artigo publicado em 17 desse mesmo mês, o empréstimo de recursos deveria seguir a taxa Selic, que é o custo marginal de captação de recursos para financiar a dívida pública brasileira.

Enquanto Kawall defende não ser correto situar a TJLP como taxa de juro subsidiada, já que ela é superior à taxa de remuneração do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), Haddad aponta que o BNDES funciona como uma subsidiária integral do Tesouro Nacional. Portanto, a política mais adequada seria, ao invés de financiar o sistema produtivo privado com base na TJLP, comprar títulos da dívida pública, cujo custo marginal é definido pela Selic.

Independentemente de quem esteja com a razão, o fato é que existe uma falácia completa na comparação direta entre a TJLP e Selic, pois essas duas taxas são tão diferentes quanto uma banana e uma laranja. A taxa Selic é derivada da taxa básica de juros, que é definida pelo famigerado Copom de maneira absoluta e imperial. Sob o pretexto de controlar a inflação, a taxa Selic é elevada bem acima do ponto de equilíbrio entre oferta e procura de capitais. Esse fato é facilmente comprovado quando se verifica que o Tesouro Nacional procedeu, no ano passado, à venda de títulos da dívida pública, expressos em reais, no mercado internacional pagando uma taxa anual de 12,5%.

Recentemente, também a propósito do assunto Selic, o ex-secretário do Tesouro Joaquim Levy declarou que, como era "um homem de Chicago" (um desavisado poderia muito bem pensar: ora, eu achava que era brasileiro!), não acreditava em preço de gabinete, feito pelo governo. O Sr Joaquim Levy, naturalmente, fez alusão à Escola de Chicago, a meca dos economistas que não acreditam na interferência do governo no mercado. Entretanto, o Banco Central do Brasil interfere, e muito! O excesso de capitais no mercado internacional provavelmente reduziria o carregamento marginal da dívida pública para algo próximo dos 12,5% ao ano, se não fosse o tal preço de gabinete fixado pelo Copom.

-------------------------------------------------------------------------------- A TJLP não passa de um indexador formado pela perspectiva de inflação para os próximos 12 meses acrescida do risco-Brasil --------------------------------------------------------------------------------

Se o propósito da atual ortodoxia na política monetária é somente controlar a inflação, convém lembrar que tal objetivo, buscado a qualquer custo, penaliza fortemente o setor produtivo e favorece o setor financeiro. A par disso, a elevação da Selic, além do necessário para equilibrar a oferta e procura de capitais, estoura a dívida pública - o total de juros da dívida paga no ano passado somou R$ 160 bilhões - ou seja, alimenta-se um déficit enorme por causa de uma visão duvidosa de combate à inflação. Pode-se até acreditar nas boas intenções dos membros do Copom, porém, o que não se pode crer é que a taxa Selic atual (16,5% ao ano) represente a realidade do mercado. Suponho que nem o Sr Joaquim Levy acredite nisso.

Há porém um outro aspecto, até agora pouco comentado, e que torna inadequada e mesmo falaciosa a comparação direta entre os valores da Selic (16,5%) e da TJLP (8,15%). Tal equívoco acaba alimentando comentários maldosos do tipo: olha a mamata da indústria, que obtém financiamento do BNDES à taxa de 8,15%, enquanto o governo paga 16,5%.

Enquanto a taxa Selic é uma taxa de juros aparente, que remunera aproximadamente 50% dos títulos da dívida pública, a TJLP não passa de um indexador formado pela perspectiva de inflação para os próximos 12 meses, acrescida do risco-Brasil. Na verdade, a função da TJLP é corrigir, como indexador, o padrão monetário do valor original do financiamento e cobrar um seguro de crédito equivalente ao risco-Brasil.

Assim, por exemplo, qualquer empresa industrial com faturamento anual superior a R$ 60 milhões (considerada de grande porte) que desejar adquirir um torno mecânico, e for buscar recursos originários do BNDES, não irá pagar "míseros" 8,15% pelo empréstimo. Provavelmente ela obterá um financiamento com base na TJLP (8,15% ao ano), acrescido de um spread de 6% ao ano (4% do BNDES e 2% de comissão do agente, normalmente um banco privado). Como resultado final ter-se-ia uma taxa anual capitalizada de 14,64% para o financiamento, que não é nada baixa. Comparada com a Selic (16,5%) poderia, à primeira vista, até significar algum favorecimento, porém a ordem de grandeza é completamente diferente da sugerida pela comparação direta com a TJLP (8,15%).

Cláudio Haddad afirma que nada estaria errado com um subsídio se ele fosse claramente explicitado para toda a sociedade. Parodiando, nada estaria errado com a política de combate à inflação se o seu custo fosse claramente explicitado para toda a sociedade. Assim, o Copom deveria declarar em sua ata que a taxa Selic de 16,5% estaria composta, por exemplo, por 12,5% referente ao custo de se obter financiamento para a dívida pública e 4% referente ao custo da política de combate à inflação. Na verdade, a taxa Selic é que está fora dos padrões de mercado e não o custo dos financiamentos do BNDES.

Antonio Carlos Teixeira Álvares é professor da FGV-EAESP, diretor superintendente da Brasilata e presidente do Sindicato da Indústria de Estamparia de Metais do Estado de São Paulo.