Título: "Sucessão presidencial tem 70% de indefinição"
Autor: Janaina Vilella e Vera Saavedra Durão
Fonte: Valor Econômico, 02/12/2004, Especial, p. A-16

Prefeito reeleito do Rio, Cesar Maia (PFL), 59 anos, está sob fogo cruzado de seu eleitorado, insatisfeito com sua decisão de se lançar candidato à Presidência da República, em 2006, antes mesmo de ser reempossado, em 1º de janeiro. Maia, porém, não está arrependido, como confessou em entrevista ao Valor. Pelo contrário, sente-se "consagrado" ao ser cobrado para que permaneça no cargo. O alcaide carioca atribui os flagelos do narcotráfico ao descaso e à omissão dos governos estadual e federal. Durante a campanha, Cesar Maia não poupou elogios ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Chegou a fazer alianças com o PT em alguns municípios do Rio. Passada a eleição, o discurso cordial deu lugar a um tom mais crítico. Falando já como candidato do PFL, Cesar Maia acusou o governo Lula de não ter "uma marca própria" e de não cumprir o que prometeu durante a campanha: implementar mudanças. Ele criticou a política econômica em curso, dizendo que o país está "encilhado", e também acusou a administração petista, bem como o próprio Lula, de falta de capacidade gerencial. "O governo Lula se esgotou, não existe uma impressão digital. É um governo que não está deixando marcas e que se caracteriza por uma gerência precária do país". Maia já encomendou estudos macroeconômicos à consultoria MCM visando a traçar uma alternativa de projeto para o Brasil. A pressa do PFL em indicar um nome à Presidência da República tem a ver com o vazio de opções anti-Lula, explicou Maia. Na sua conta, o atual presidente vem reduzindo suas chances com os eleitores e hoje deve ter garantido uns 30% de votos, restando pois, uns 70% a serem disputados pela oposição. O PSDB é visto por Maia como um partido dividido . Há três potenciais candidatos: o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o senador Tasso Jereissati - todos, na visão do prefeito, muito regionais. Na dúvida, vê o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como "candidato reserva" . O prefeito do Rio não descarta, porém, a chance de o PFL se contentar com uma Vice-Presidência na chapa do PSDB, dependendo da correlação de forças na época. Disse que o candidato do PMDB em 2006 não será Anthony Garotinho. "Ele está mudando de partido". Para Maia, Garotinho "é um personagem em extinção". Na entrevista que se segue, o prefeito não descarta o lançamento de seu filho, Rodrigo Maia, à sucessão da governadora Rosinha Garotinho: Valor: O sr. decidiu candidatar-se à Presidência no momento em que o Rio está sob fogo cruzado e passa por um processo de de esvaziamento. Seus eleitores estão protestando. O sr. está arrependido? Cesar Maia: Não. Depende da ótica que você trata o tema. Eu, por exemplo, tratei sob a ótica da consagração. Se as pessoas, na verdade, querem que eu permaneça como prefeito, isso é um momento em que um político, depois de governar oito anos, deve tomar com muito orgulho. O Brasil nunca teve um presidente carioca. Depois de entrar para a história como o prefeito mais longevo do Rio, gostaria de ser o primeiro carioca a pisar no Palácio do Planalto. Valor: Mas durante a campanha o sr. garantiu que não largaria a prefeitura. O que mudou? Maia: Não mudou nada, ao contrário. Quando essa questão me foi colocada depois da campanha eleitoral fiz a minha reflexão. Qual seria a melhor maneira de servir a cidade do Rio? Sendo prefeito ou presidente? A cidade vive um problema de segurança pública depois que Vitória parou pelas mesmas razões. Isso reforça a necessidade de um carioca ser presidente da República para colocar as forças federais no Rio. Valor: Como o sr. avalia o governo Lula? Maia: A questão da minha candidatura é uma questão de estratégia. O governo do presidente Lula se esgotou. Nós estamos na metade do governo e não existe impressão digital, existe uma gerência precária, uma gestão política insuficiente. Aquele sinal de alternativa e mudança até agora não aconteceu. Mas o presidente Lula é uma figura respeitada, a população tem carinho por ele e continua como um político forte na conjuntura. Se a situação do país for esta, em 2006, o presidente Lula certamente estará no segundo turno. Não com os 40% que ele teve na eleição passada, mas certamente com 30%, 28%, 27% ou 32%. Valor: Qual é o calcanhar-de-aquiles do governo Lula? Maia: É o fato de não ter marca e de não ter conseguido expressar aquilo que o trouxe ao governo: a mudança. Senti isso na campanha. E ainda tem uma terceira questão que é a ética. O governo Lula foi atingido em alguns aspectos éticos. Na verdade, também veio para a planície, porque não se diferencia dos outros, não incorpora sinais de mudança. Incorpora certos sinais de que seus compromissos não foram honrados e ainda pecou porque sangrou eticamente em alguns pontos. Valor: O PT foi o partido que perdeu mais no governo Lula? Maia: Certamente, porque se descaracterizou enquanto partido de esquerda e se fraturou em torno de ícones do PT, como Chico de Oliveira e Leandro Konder. O Lula acabou se destacando e se descolando do seu partido e de seu governo pela sua personalidade. Ou seja, se você dissesse, tira o Lula, o PT apresentaria candidato à Presidência da República? Não. Está derrotado. O PT sem o Lula está no limbo, não tem candidato à Presidência da República e perde a eleição. Valor: Na sua opinião, com quem Lula concorreria em um eventual segundo turno? Maia: Não há candidato natural nas oposições. Cada um dos personagens das oposições ocupa brilhantemente o seu espaço regional. O governador Geraldo Alckmin, em São Paulo, o governador Aécio Neves, em Minas Gerais, o senador Tasso Jereissati, no Ceará, e eu, no Rio. Mas não há uma expressão nacional alternativa. Cabe aos partidos de oposição ocupar estes espaços. O PSDB vai ter uma enorme dificuldade em fazê-lo porque tem três nomes e não pode destacar nenhum deles, a menos que os outros dois, sejam eles quais forem, busquem essa iniciativa. Já o PMDB vai viver esse hibridismo até, no mínimo, setembro de 2005. Aqueles que não estiverem satisfeitos com os rumos do PMDB terão que buscar uma opção eleitoral. Ou, no caso do PMDB ficar na oposição, também terão que trabalhar os seus nomes, que também são muitos: Jarbas Vasconcelos, Roberto Requião, Germano Rigotto . Num quadro desses, onde o PMDB não pode tomar iniciativa e o PSDB não pode tomar iniciativa, o PFL pode e tomou.

"Fernando Henrique é a reserva geral para uma situação de desintegração econômica e política"

Valor: Mas a iniciativa do PFL seria de lançar candidato próprio ou fechar alianças com o PSDB, por exemplo? Maia: A iniciativa é entrar com um candidato próprio e aguardar março de 2006 para ver qual a candidatura das oposições é competitiva e viável. O que o PFL espera é que o PSDB e o PMDB, eventualmente na oposição, se somem a essa candidatura. Se a candidatura deles se mostrar mais competitiva, nós nos somamos a eles. Valor: O sr. tem mais dois anos para trabalhar a candidatura. Como pretende tocar o lançamento de seu nome em nível nacional? Maia: O PFL ainda está fazendo este desenho. Provavelmente ainda em dezembro eu vá a Brasília ter contato com a bancada de deputados do PFL porque se a bancada não adotar a candidatura, não existe candidatura. Valor: O lançamento da sua candidatura ainda não foi aferido? Maia: Não. O que se tem é que o Nordeste representa 27% do eleitorado brasileiro. Foi assim na última eleição municipal. O Rio de Janeiro, 11%. Estamos falando de 38% dos votos válidos. Há uma plataforma de lançamento. Agora, como isso vai ser recebido pela população é uma pergunta a se fazer. Valor: Mas se a sua candidatura for realmente aprovada, que alianças o PFL estaria visualizando? Maia: Ainda é muito cedo. Cabe a nós neste momento viabilizar a candidatura e não discutir alianças. No início de 2006, em função da taxa de competitividade das candidaturas, nós começaremos a discutir se as alianças serão feitas desta ou daquela maneira. Não podemos discutir aliança sem antes conhecer a cabeça desta aliança. Valor: O sr. acredita que o PSDB estaria disposto a se unir em torno do Alckmin? Maia: Tenho dúvidas, porque o governador Aécio Neves está dizendo "eu estou presente". Porque razão tem falado em jornais e revistas? Porque depois das eleições criou-se a idéia de que a candidatura do Alckmin viria naturalmente dentro do PSDB. E ele (Aécio) está dando um sinal de que naturalmente, não. Existem outros nomes. A indecisão sobre a presidência do PSDB diz isso também, porque se São Paulo tem dúvidas quanto à presidência do senador Eduardo Azeredo, é porque São Paulo tem dúvidas se Minas apoiaria o Alckmin, ou não. Valor: Na sua avaliação, há uma insatisfação entre mineiros e cearenses com a possibilidade de o PSDB se tornar um partido fortemente paulista? Maia: Há essa percepção dentro do PSDB. Mas o problema é do PSDB, não é nosso. O que nos cabe fazer é ajudar até mesmo o PSDB a precipitar uma candidatura para que essa candidatura mostre que é competitiva, mais do que a do PFL. Ou o contrário. Valor: Na dúvida, o partido acabaria lançando FHC à Presidência? Maia: FHC é a reserva geral para uma situação de desintegração econômica/política. Valor: Uma possível Vice-Presidência com o PSDB já aconteceria em 2006? Maia: Depende. Se o PSDB fizer o gesto democrático de entender que eles podem ser vices na nossa chapa, não teremos dificuldades de dizer isso. Ou o PMDB. O PMDB para nós é uma força potencialmente de oposição. Provavelmente o PMDB ocuparia espaços no Sul, o PSDB, no Sudeste e o PFL, no Nordeste. Você teria 70% do eleitorado brasileiro para ser disputado. Se eu parto do princípio de que o Lula terá 30% e de que Garotinho cairá a metade, no máximo, 7%, estamos falando de 63% do eleitorado, que está disponível para os partidos oferecerem suas candidaturas. Valor: Se o Garotinho sair do PMDB, o sr. acha mais fácil a escolha de um vice para a chapa do PFL? Maia: O Garotinho está fora disso. Porque Garotinho no PMDB não será candidato e fora do PMDB será candidato. Tenho certeza de que ele não fica no PMDB. Ele sabe disso e vai escolher um partido para se lançar candidato.

"Aécio está dando sinais de que não há candidatura natural do PSDB à Presidência da República"

Valor: O sr. acha que a sua decisão de abrir mão da prefeitura poderia enfraquecer seu candidato ao governo do Estado? Maia: Eu acho que fortalece. A candidatura, sendo à Presidência da República, fortalece o candidato. Qualquer candidato a governador pelo PFL sabe disso, entende, quer e precisa. Valor: O sr. defendeu uma frente contra o Garotinho para 2006. Com a aliança PFL-PSDB, seria inviável a participação do PT, não? Maia: Nunca falei isso porque acho que Garotinho é um político completamente declinante no Estado do Rio. Não tenho dúvida. No que ele colocar a mão perde a eleição, em 2006, no Estado do Rio. Temos problemas sérios no Estado do Rio. Houve uma desintegração das funções públicas, da educação, da saúde e dos transportes. Na hora que o Estado, como instituição, desintegra, na minha opinião, deixa de ser um problema de caráter partidário e passa a ser de interesse público. Valor: Mas se o seu candidato fechar aliança com o PSDB, isso acabaria impossibilitando a entrada do PT nesta chapa para 2006 ao governo do Estado, não? Maia: Depende dos candidatos a presidente. Pode ser que eles queiram neutralizar a eleição para governador do Estado do Rio. Pode ser que interesse ao Lula. Valor: Até porque o PT não tem um nome forte para lançar no Rio. Maia: Ninguém tem um nome forte. Todos terão que construir este nome forte. Valor: O nome de Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira tem sido cogitado pelo PT. Maia: Mas será que a máquina do PT digere? Valor: O deputado Rodrigo Maia será o candidato do PFL? Maia: É um dos nomes que temos. Temos três deputados federais, a Laura Carneiro, o Arolde de Oliveira e o Rodrigo Maia. Temos dois deputados estaduais, o Eider Dantas e a Solange Amaral. Mas, o Rodrigo foi o deputado federal do PFL mais votado no Rio. Valor: O sr. acha que o presidente Lula tem deixado a cidade do Rio e o Estado do Rio em segundo plano? Maia: Não. O Estado do Rio vem sendo mal governado. Os governos federais, não apenas o Lula, se omitem em matéria de segurança pública escudados na Constituição Federal. Crime organizado, armas e cocaína também são crimes federais. A responsabilidade é federal na medida em que esses crimes não têm fronteiras. Mas não resolve só chamar o exército. Isso exige outros desdobramentos para que você possa chamar as forças federais para dar garantia de segurança pública. Esse é o quadro do Rio, de Vitória, de Recife. É um quadro que sai do Rio mas que se espalha. Valor: No Rio, também percebemos um aumento desenfreado das favelas. O que o sr. tem a dizer sobre isso? Maia: Não é verdade. Você está completamente equivocada. A Rocinha, por exemplo, teve um crescimento nos últimos dez anos à Oeste. Ela cresce verticalmente, em função de taxa de natalidade. Valor: O sr. acha que favela é uma questão de taxa de natalidade? Maia: Depende de que foco você trata. Em questão demográfica, sim.