Título: BC volta a culpar o crédito direcionado pelo juro alto
Autor: Alex Ribeiro
Fonte: Valor Econômico, 02/12/2004, Finanças, p. C-2

O Banco Central divulgou ontem seu amplo diagnóstico anual sobre o crédito no Brasil, que investiga as causas dos altos juros dos empréstimos bancários. O documento, que marca o quinto ano do programa de redução dos juros e "spread" bancário, lançado em 1999, tem um conteúdo ambíguo. De um lado, inclui um aprofundado estudo que aponta custos e ineficiências do direcionamento obrigatório de crédito para alguns setores da economia, como habitação e agricultura. De outro, o documento, que orienta as ações do governo na área, deixa de contemplar a flexibilização do direcionamento de crédito como forma de estimular a queda dos juros dos empréstimos bancários. Até o ano passado, o BC mantinha uma diretriz explícita para os direcionamentos de crédito: "Propor medidas específicas destinadas a reduzir os subsídios cruzados no crédito". A proposta encabeçava uma tabela, republicada anualmente, com as medidas que a autoridade monetária propunha para reduzir o custo do crédito bancário. Neste ano, a medida deixou de fazer parte da agenda. Outra proposta que não foi incluída é a que trata da redução das contribuições dos bancos ao Fundo Garantidor de Crédito (FGC), hoje em 0,025% dos depósitos garantidos. Permanecem na agenda propostas para reduzir impostos e os compulsórios, mas, aponta o documento, sua implementação dependerá da conjuntura fiscal e monetária. O relatório inclui estudo de autoria dos economistas Ana Carla Abrão Costa e Eduardo Lundberg, do Departamento de Pesquisas Econômicas do BC, apontando ineficiências do sistema de crédito direcionado. "Melhor seria aprofundar estudos visando a redução dos atuais mecanismos de direcionamento obrigatório de crédito, substituindo-os por alternativas mais eficazes", afirma o estudo, que ressalta em uma nota de rodapé que que as opiniões não refletem necessariamente as do BC. As críticas têm como alvo especialmente o crédito direcionado ao setor rural, que, segundo suas estimativas, envolveria um subsídio implícito de R$ 4 bilhões. Embora o "funding" dos empréstimos rurais seja parcela dos depósitos à vista, que têm remuneração zero, haveria um custo pago pelos tomadores de crédito por meio de taxas mais altas. O cálculo leva em consideração o custo de oportunidade dos bancos que não investiram os recursos em depósitos interbancários (CDI) para aplicá-los a taxas abaixo de mercado no crédito rural. "Não há indícios de que os pequenos produtores rurais, o segmento sem acesso ao crédito, estejam se beneficiando de forma importante da exigibilidade imposta (para agricultura)", diz o estudo. Citando números do Banco Mundial, o estudo do BC afirma que apenas 5,6% dos financiamentos com crédito rural têm valores inferiores a R$ 10 mil; e que os empréstimos com valor inferior a R$ 40 mil representam apenas 26% do total. "Os grandes produtores rurais e empresários do agronegócio estão sendo crescentemente favorecidos com financiamentos subsidiados em detrimento do restante da sociedade", diz o estudo. O documento vai além: aponta a possibilidade de os recursos estarem sendo desviados para outras finalidades que não os financiamentos. "Os recursos podem estar sendo utilizados para financiar consumo e não diretamente para aumentar o volume de crédito ao setor rural." O documento afirma ainda que o direcionamento habitacional vem falhando até mesmo em seu objetivo de elevar os volumes de crédito ao setor. "A estrutura do sistema de financiamento imobiliário no Brasil deveria ser discutida", diz o estudo. A estagnação do crédito direcionado foi o principal ponto no relatório que faz o diagnóstico do crédito desde 1999. O documento registra que, de lá para cá, a participação do crédito direcionado no crédito total encolheu de 13,5% para 9,8% do produto interno bruto (PIB). O segmento que mais perdeu foi o crédito para habitação, que se reduziu de 5,1% para 1,4%. No mesmo período, na direção inversa, a fatia do crédito com recursos livres saltou de 7,9% para 12,3% do PIB. O relatório traz ainda a distribuição do "spread" bancários segundo cada um de seus componentes, tomando como base dezembro de 2003. Neste relatório foi adotada uma nova metodologia que, entretanto, ainda não contempla os custos dos direcionamentos obrigatórios. A participação de cada um dos componentes no spread total é praticamente a mesma do ano passado para despesas administrativas (26,19%), inadimplência (20,06%), impostos indiretos (8,16%) e o resíduo (27,55%), que incluiu lucro dos bancos e outros custos não mensurados . A única mudança relevante foi a queda na participação dos depósitos compulsórios, de 9% para 5,1%, em virtude da redução da alíquota em 2003.