Título: Bloqueio da política fiscal trava soluções para crise
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 08/09/2011, Opinião, p. A10

A expectativa de que a crise econômica nos países desenvolvidos se estenda ainda por vários anos é uma consequência do esgotamento dos instrumentos de política monetária e das barreiras políticas para estímulos fiscais adicionais diante de déficits públicos gigantescos. O Federal Reserve parece estar perto do grau zero da política monetária e, dividido quanto aos rumos a tomar, marcou uma reunião mais longa de seu Comitê de Mercado Aberto para aparar divergências e examinar o que ainda resta a fazer para tirar a economia de sua perigosa letargia. A julgar pelas atas do Fed e pelos discursos de seu presidente, Ben Bernanke, não é muito.

O Fed tomou todas as medidas heterodoxas imagináveis para impedir uma depressão e promover a recuperação da economia americana. A última delas foi amarrar suas mãos até 2013 com uma taxa de juros de até 0,25%, confiante de que até lá o fantasma da inflação não será um problema relevante. Esse já era um ponto do pacote de opções da autoridade monetária e foi usado para se contrapor imediatamente aos péssimos dados da evolução do PIB americano e à possibilidade de uma nova recessão no país.

O sinal foi importante, mas a oferta de crédito continua se contraindo nos EUA, e um dos motivos para isso é que não há forte demanda. A purgação da crise obriga a uma redução das dívidas de empresas e consumidores e seus efeitos sobre a economia não são estimulantes, ao contrário. Os últimos dados, citados por Bernanke em conferência em Jackson Hole, no dia 27 de agosto, indicavam que os americanos estão poupando acima do que os analistas previam, 6% da renda disponível. Isso significa que sua confiança sobre as perspectivas futuras são baixas e que eles estão quitando suas dívidas ou se endividando menos. O consumo representa 70% do PIB do país e seria necessário que os consumidores gastassem mais. Sem consumo forte, os investimentos das empresas, outro fator de impulso econômico, não ocorrem na magnitude desejada. O caixa das empresas americanas raras vezes foi tão alto como agora.

No plano de voo do Fed há outras alternativas, nenhuma delas que pareça suficientemente potente para mudar essa situação. O Fed sinalizou que poderá deslanchar uma nova rodada de afrouxamento monetário (QE3), desta vez com a aquisição de títulos do Tesouro de mais longo prazo (o QE2 se concentrou nos títulos de 2 a 10 anos). Os retornos desses títulos se aproximaram com o agravamento da crise (os de 10 anos pagaram 1,98%, a menor taxa em 60 anos anteontem e os de 30 anos, 3,25% com tendência de queda). Uma terceira rodada de relaxamento, porém, teria provavelmente efeitos menores que as duas anteriores. As compras de US$ 600 bilhões recentemente encerradas trouxeram uma baixa de até 0,2% nos juros de longo prazo, o que, segundo Bernanke, equivale a uma redução da taxa corrente de 0,4 a 1 ponto percentual. Não é desprezível para quem está perto do limite zero para os juros.

O afrouxamento monetário teve rápidos e importantes efeitos quando o sistema financeiro global esteve perto da insolvência e a liquidez nos mercados deixou de existir pela crise de desconfiança. Não é esse mais o caso e novas doses do mesmo remédio certamente terão menores consequências. Da mesma forma, o Fed poderia, segundo diz, deslocar suas compras para títulos em geral de longa maturação, algo que tem contraindicações. Uma delas é a de que não se sabe precisamente seus resultados, disse Bernanke. "Essas compras parecem ter seus maiores efeitos em período de estresse econômico e financeiro, quando os mercados estão menos líquidos e os prêmios são inusualmente altos", disse. Além disso, há o temor de que a elevada magnitude desse compromisso iniba a rapidez de resposta do Fed na hora da normalização monetária.

Uma terceira opção seria reduzir os 0,25% de juros que são pagos para o excesso de reservas mantidas no Fed. Isso estimularia os bancos a emprestar mais ou despejar mais dinheiro nos mercados de curto prazo, mas o próprio Bernanke reconhece que a força desse instrumento hoje é pequena.

A capacidade de estimular a economia por meio da política monetária está perto do esgotamento e o mais dramático é que a possibilidade de usar a política fiscal para isso tornou-se inexistente nos EUA por motivos políticos. A situação na Europa não é muito diferente. Não há saída à vista desse atoleiro.