Título: Veiculos bicombustíveis já chegam a 24% do mercado
Autor: Mauro Cezar Pereira
Fonte: Valor Econômico, 02/12/2004, Especial, p. F-3

Em janeiro de 2003, os carros movidos a álcool representavam 4,8% do mercado. Hoje, de cada 100 automóveis zero quilômetro vendidos, exatamente quatro utilizam apenas o combustível genuinamente brasileiro. Praticamente nada mudou? Engana-se quem, ao observar tais números, imaginar isso. Pelo contrário. Desde o ano passado o álcool é um dos maiores atrativos de venda de veículos novos, com o crescimento contínuo da fatia de mercado destinada aos bicombustíveis. O enorme sucesso desses modelos com motores flexíveis, que também funcionam movidos a gasolina, é reflexo direto da aceitação do álcool. Projeções iniciais da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) estimavam em 17% as vendas desses modelos em 2004. A marca foi superada amplamente, a ponto de a associação revisar suas previsões. Tal expectativa foi elevada à casa dos 21% do volume total deste ano, índice que também vem ficando para trás. Para que se tenha uma idéia, no começo de 2003 os carros movidos apenas a gasolina eram responsáveis por 95,2% dos negócios nas concessionárias. Em outubro, 22 meses depois, haviam despencado para 71,8%, enquanto os bicombustíveis, que ganham mercado sem parar atingem a marca dos 24,1%. Os números são impressionantes. Se foram 48.178 os veículos flexíveis vendidos em 2003, nos dez primeiros meses deste ano a marca de 249.116 havia sido alcançada, um salto superior a 500%. O grande apelo de venda dos carros bicombustíveis é justamente o álcool. Mais barato do que a gasolina, ele é a opção número um da maioria dos proprietários quando param no posto para abastecer. O dia-a-dia deixou claro que o consumidor admite o uso do álcool, especialmente sem ter que abrir mão da possibilidade de, quando quiser, ou precisar, recorrer ao derivado de petróleo. "As pesquisas mostram que 95% dos usuários de flexíveis utilizam o álcool por causa do preço favorável", afirma Diógenes de Oliveira, engenheiro-chefe de motores e transmissões da Ford. Ele ressalta, no entanto, que essa relação pode mudar. E não seria algo inédito. Nos anos 80 os carros movidos a álcool bateram perto da casa dos 90% das vendas de automóveis novos no Brasil, então o maior mercado de combustível alternativo do mundo. Colheitas fracas e escassez fizeram o preço disparar. Foi a senha para que os motoristas voltassem à gasolina. O risco de ter que trocar de carro não mais existe com a tecnologia atual. "Também por isso projetamos o nosso novo motor para que trabalhe de forma eficiente com qualquer proporção desses dois combustíveis", afirma Oliveira.

Os carros funcionam com gasolina ou álcool, puros ou misturados, em qualquer proporção. Em geral, os que rodam, por exemplo, 14 quilômetros com um litro de gasolina percorrem nove quilômetros com álcool. O o mais importante nisso é que, se custar até 70% do preço da gasolina, o álcool é economicamente vantajoso. Por isso, reajustes no preço do derivado da cana-de-açúcar têm gerado preocupação. Sem o apelo econômico que hoje oferecem, esses automóveis poderão perder competitividade no mercado. Em março de 2003 a Volkswagen lançou o primeiro modelo bicombustível, o Gol 1.6. Hoje, outras três empresas - General Motors, Fiat e Ford - oferecem automóveis flexíveis e o total de opções no mercado é de aproximadamente 40 modelos com motorizações variadas. "Aos poucos, gradualmente, a frota está sendo substituída por veículos bicombustíveis", resume Rogelio Golfarb, presidente da Anfavea. O executivo, inclusive, admitiu recentemente que, embora o Brasil não exporte automóveis bicombustíveis, existem contatos no sentido de fechar vendas desses carros para Índia e China. Os dois países estariam analisando a possibilidade de adotar o álcool como alternativa e a possibilidade de ter um veículo que o permite seu uso tanto quanto o da gasolina derrubaria eventuais dificuldades de aceitação do produto. Além disso, os Estados Unidos, maior mercado do planeta, têm interesse e necessidade de explorar novas opções de combustíveis, o que torna o carro com motor flexível uma opção muito viável. Em 22 dos 50 Estados norte-americanos existem postos que vendem uma mistura especial. Ela mescla 85% de etanol (álcool) e 15% de gasolina. É o chamado "E85". "A inédita tecnologia desenvolvida no Brasil poderá ganhar o mundo em pouco tempo, pois traz inegáveis vantagens tanto para o consumidor, quanto para o meio ambiente", frisa José Carlos Pinheiro Neto, vice-presidente da GM do Brasil. Prevendo bons índices de exportação, fornecedores de componentes para as montadoras vêm festejando o êxito alcançado com os bicombustíveis. É o caso da Bosch, que espera dobrar o faturamento em relação a 2003 graças às vendas de injeção e outros itens destinados aos motores de carros flexíveis. A multinacional alemã foi pioneira no lançamento do sistema. A indústria aposta de tal forma nos bicombustíveis que o desenvolvimento do novo motor da Ford envolveu a construção de 185 protótipos e a mais de 30.000 horas de testes. Desde maio os modelos Flexpower da General Motors superam consecutivamente a casa dos 20% das vendas de carros da marca Chevrolet. "Em dois anos a Volkswagen espera tornar toda a sua produção brasileira em bicombustível", adianta o gerente de planejamento de vendas e marketing da companhia alemã, Marcelo Olival. "A tendência dos carros flexíveis é irreversível", sentencia Pinheiro Neto, da GM.