Título: Bolsas chinesas flertam com empresas e investidores brasileiros
Autor: Pacheco,Filipe
Fonte: Valor Econômico, 08/09/2011, Finanças, p. C2

A viagem é cansativa, seria mais fácil se tivesse um voo direto... mas é incrível como o avião estava lotado! Não vejo tanta gente indo para os Estados Unidos ou para a Europa". As palavras são de Eric Landheer, vice-presidente da Bolsa de Valores Hong Kong, ou HKEx, ditas um dia depois de desembarcar em São Paulo.

É a primeira vez que Landheer vem ao Brasil. Americano fluente em mandarim e antigo coordenador da incursão da bolsa Nasdaq pela Ásia, ele é hoje o responsável pela área de expansão de mercado e listagem da HKEx, a maior entre as bolsas chinesas e a mais parecida com as ocidentais. O executivo veio a São Paulo e ao Rio de Janeiro com a missão de fazer um "roadshow" às avessas - mostrar quais as vantagens para uma empresa daqui fazer uma listagem por lá e passar a negociar os "HDR" (Hong Kong Depositary Receipts), versão local dos American Depositary Receipts (ADR), ou recibos de ação negociados em Nova York.

Para ajudar no convencimento, veio acompanhado de Richard Tsang, presidente de uma das maiores companhias de relações públicas e relações com os investidores da Ásia, e Loren Tang, sócia do escritório de Hong Kong da consultoria KPMG.

Os três estiveram com empresários de diferentes segmentos da indústria nacional, como mineração, consumo e de alimentação. Nas conversas, o caso da Vale foi dado como maior exemplo do que a HKEx veio buscar por aqui. Isso porque a gigante nacional foi a pioneira nessa jornada financeira rumo ao extremo Oriente. Em dezembro do ano passado, fez a listagem na bolsa de Hong Kong e alegou como principal vantagem o ganho de visibilidade ante investidores locais, o que pode ajudar na hora de se fazer uma emissão de dívida no futuro, por exemplo.

"Queremos trazer outras "Vales", ou seja, companhias que têm um comércio cada vez mais forte com países asiáticos e especialmente com a China", diz Landheer. Do setor de alimentos, a BRF Brasil Foods participou da exposição. A Petrobras não confirmou nem negou presença, só disse por meio de sua assessoria que costuma fazer esse tipo de aproximação com frequência.

Landheer faz questão de ressaltar que Hong Kong é uma zona financeira com regulamentação totalmente autônoma - não depende em nada das decisões tomadas em Pequim. Só que ele e a HKEx não são os únicos a paquerar brasileiros.

No dia 26 de agosto, a presidente da Bolsa de Shenzen, a segunda maior da China em valor de mercado e com listagem principalmente de pequenas e médias empresas, assinou um memorando de entendimento com a BM&FBovespa. Song Liping e Edemir Pinto, principais executivos das respectivas bolsas, trocaram sorrisos e presentes após dizer que o memorando é o primeiro passo para uma parceria que pode facilitar o acesso mútuo às praças financeiras. Em termos práticos, como quais são os tipos de ativos a que investidores dos dois lados terão acesso, nada foi decidido. "Leva anos para se entender outros mercados, e os dois países são muito distantes. Há uma série de desafios em relação à regulamentação, este é um primeiro passo", disse Liping.

Xangai não está para trás neste jogo de cortejo. Dois chineses funcionários da bolsa de lá estarão em São Paulo até dezembro para fazer uma espécie de "intercâmbio" com a bolsa brasileira. Mas conseguir acesso a eles mostra a típica estrutura fechada das bolsas da China Continental. O Valor tentou entrevistá-los - um é gerente-sênior do departamento de listagem e o outro é do setor de negócios globais -, e eles demonstraram inicialmente interesse em falar. Mas, antes, precisariam de autorização da China, que acabou sendo negada.

Pequim é quem decide o que acontece nos mercados de Shenzen e Xangai. Não existe empresa estrangeira que fez IPO (oferta inicial de ações) ou listagem por lá; só é possível tentar uma das duas coisas por meio de joint ventures locais. Investidores estrangeiros são institucionais, e aqueles de varejo de fora da China não podem negociar. Liping, de Shenzen, diz que a abertura dos mercados é algo debatido dentro do Partido Comunista, que controla tudo no país, mas que não há nenhum prazo determinado para a divulgação de medidas concretas nessa linha.

"Essa é a nossa principal vantagem, somos uma economia aberta e muito parecida com as ocidentais", reforça Landheer, da HKEx.

Entre os dias 24 e 28 de outubro, Song Liping, Eric Landheer e os dois chineses de Xangai internos na BM&FBovespa devem fazer as honras de anfitriões e receber, na China, uma comitiva de brasileiros interessados no mercado de lá. Se algum acordo concreto será firmado, é difícil dizer. Mas que o flerte financeiro entre as praças de lá e de cá fica cada vez mais parecido com um namoro sério, é inegável.