Título: "Lamentamos a troca do Acre por um cavalo"
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 12/05/2006, Especial, p. A4

Veja os principais trechos da entrevista do presidente da Bolívia, Evo Morales, em entrevista coletiva, na 4ª Cimeira União Européia-América Latina e Caribe, em Viena.

Porque não falou com Lula- Quero dizer, com muito respeito ao Brasil e a todo mundo, que não tenho porque perguntar, consultar, informar ninguém sobre políticas soberanas de nosso país. Tenho todo direito, como todo país com soberania, de recuperar nossos recursos naturais, nacionalizar o gás e petróleo. Nos últimos dias antes da nacionalização, busquei conversar com o companheiro Lula e no entanto foi difícil encontrá-lo. Penso que alguns colaboradores de Lula me bloquearam para falar com ele. Mas quando nacionalizamos, eles rapidamente se apressaram para falar conosco.

Contratos da Petrobras - Os contratos da Petrobras são ilegais e inconstitucionais. Na Bolívia, há empresas que menosprezam os bolivianos porque os governos eram entreguistas e jamais respeitaram as leis. Não apenas a Petrobras, mas todas as empresas petroleiras, que não pagaram impostos e fizeram contrabando. Qualquer contrato com as empresas privadas, ou convênio com outro país deve ser ratificado pelo Congresso Nacional da Bolívia. De mais de 70 contratos com as petroleiras, nenhum foi ratificado no Congresso, portanto são inconstitucionais. Esses contratos foram feitos secretamente. É importante dar garantia jurídica para qualquer empresa e país investidor na Bolívia. Mas de que segurança jurídica podem falar, quando são os primeiros a violá-la? Muitas empresas já perderam processos por evasão de impostos e têm muitas dívidas na Bolívia.

Indenização - Necessitamos de sócios, não de patrões para explorar recursos naturais (...) Não estamos expulsando ninguém. Só estamos exercendo o direito de propriedade sobre nossos recursos naturais. É verdade que há empresas que investiram. E têm todo direito de recuperar seus investimentos. Mas não podem ser proprietários. Os que recuperaram seus investimentos, não há por que pensar em indenização. Se estivéssemos expropriando os bens, a tecnologia, teria que indenizar. Não é o caso.

Agricultura e brasileiros - Imposições externas permitiram privatizar todos os recursos naturais. Isso acabou. Não estamos falando só de gás e petróleo. Vamos acabar também com o latifúndio improdutivo. Tenho muita amizade pelos produtores de soja brasileiros que cumprem as leis bolivianas. Estes não terão qualquer problema. Mas também quero ser claro: algumas empresas brasileiras estão operando ilegalmente na Bolívia. Por exemplo, a EBX, que não respeita as fronteiras bolivianas, porque, conforme a Constituição, empresa estrangeira que se assenta a 50 quilômetros da fronteira é ilegal, é inconstitucional. Quero dizer que, se antes a Bolívia era terra de ninguém, agora é terra dos bolivianos, especialmente dos povos indígenas. Se chegamos aonde chegamos, como presidente, não é para vingança, mas para esperança de meu povo, especialmente historicamente marginalizado, humilhado, desprezado, ameaçado de extinção.

Acre por um cavalo - Lamento muito que no passado os brasileiros (obtiveram) o Acre em troca de um cavalo. No nosso governo, isso não vai acontecer porque vamos defender nosso território e nossos recursos naturais. A única forma para acabar a pobreza é recuperando nossos recursos naturais.

Ajuda e Brasil - Quando formos mestres de nossos recursos naturais, teremos que industrializar. É importante a participação da sociedade internacional. Há países como Japão, Cuba, Venezuela, e alguns europeus como a Dinamarca, que ajudam sem pré-condições. (...) Tenho admiração por Fidel e por Cuba. Esse país bloqueado economicamente ajuda muitos países a desbloquear socialmente. Cuba manda tropas para salvar vidas, e há outros que mandam para matar. Temos a "Operação Milagres" com médicos cubanos. Em dois meses, mais de 7 mil pobres foram operados gratuitamente de catarata (...). Com o Brasil (suspiro), conversamos bastante e não concretizamos absolutamente nada. Durante a campanha, autoridades do (governo socialista espanhol) de Zapatero disseram que a ajuda a Bolívia dobraria. Até agora não chegou nada.

Integração regional - A base para uma verdadeira integração latino-americana serão os recursos naturais. Respeito a proposta do presidente da Venezuela de ter uma grande companhia para administrar gás e petróleo de diferentes países com base em empresas estatais. O que destrói a Comunidade Andina de Nações são as negociações da Colômbia e Peru com os EUA. Os princípios básicos da CAN eram fortalecer a economia nacional e o comércio entre os andinos. Apesar de muitos protestos na Colômbia, Peru e Equador, esses governos passaram a fortalecer a economia liberal e as multinacionais. A desintegração da CAN pode ser evitada (se eles voltarem atrás).

Cultura indígena- Na cultura dos povos indígenas, ser autoridade é servir à sociedade. Portanto, se trata de servir ao povo e não à cultura ocidental que nos impôs autoridade vivendo da política, inclusive roubando. Nessa cultura de serviço da autoridade, começamos com austeridade econômica para servir ao povo.