Título: Pelo poder, PMDB deve ficar sem candidato
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 12/05/2006, Especial, p. A14
Pressionado pela verticalização e sem um nome capaz de empolgar a militância partidária, o PMDB deve renunciar neste sábado, pela terceira vez consecutiva, à proposta de candidatura própria à Presidência da República. Seu último candidato foi Orestes Quércia, em 1994. Teve um desempenho pífio, ficando em quarto lugar com 4,38% dos votos, abaixo do folclórico Enéas Carneiro, do Prona. De lá para cá, nenhum líder partidário conseguiu se impor às diferentes correntes da chamada federação pemedebista. Mas a sigla entra na eleição de 2006 com uma nova perspectiva: compartilhar o poder com o PT, a partir do próximo ano, na hipótese de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva confirmar o favoritismo apontado pelas pesquisas de opinião pública e seja reeleito em outubro. Lula Marques/Folha Imagem Renan com Sarney e Tião Viana durante sessão de homenagem ao Senado em sua segunda interinidade como presidente da República: PMDB imagina país em 2008 sob "modelo alemão" de coalizão
É o que dirigentes partidários, notadamente aqueles mais próximos do atual governo, chamam de "modelo alemão" - uma referência à chanceler Angela Merkel, que dividiu o poder entre os dois maiores partidos alemães a fim de conseguir maioria para governar. Na eleição do ano passado, a coligação de Merkel, liderada pelos democratas-cristão, fez mais votos, mas não a maioria suficiente no parlamento, só obtida após um acordo com o adversário, o Partido Social Democrata (PSD).
No cálculo dos pemedebistas, Lula deve enfrentar um problema parecido em eventual segundo mandato - assim como já ocorreu no primeiro - e mais do que nunca precisará de estabilidade política para governar, pois a crise não deve acabar com o fim do ano calendário. "A novela vai continuar", prevê o deputado Jader Barbalho, (PA) um dos mais influentes da sigla. Algo como aconteceu com Getúlio Vargas no segundo mandato - a oposição voltou com o mesmo ranço, apesar do longo interregno entre o fim do Estado Novo e o governo constitucional do caudilho gaúcho. Houve até uma CPI do Fim do Mundo, na visão do PMDB governista, na forma da CPI da Última Hora.
Além disso, é bem provável que o eventual segundo governo Lula tenha de enfrentar, já em 2007, uma assembléia revisora da Constituição, mais ou menos nos termos de um projeto aprovado quarta-feira passada por uma comissão técnica da Câmara, mas que só deve ser votado no próximo ano, pelo novo Congresso. Será a oportunidade para seus adversários tentarem encurtar o caminho para o poder, recorrendo à implantação de um regime parlamentarista. A tese é cara ao PSDB (no momento mais interessado em acabar com a reeleição), mas pode ter adesões até do PMDB, se enveredar por um regime do tipo francês, com um presidente com atribuições e um primeiro-ministro.
Lula já deu a senha ao convidar o PMDB para uma coligação formal na eleição de outubro próximo, inclusive com a possibilidade de a sigla indicar o candidato a vice-presidente da chapa. Os termos da oferta do Planalto surpreenderam até mesmo céticos contumazes como o presidente da sigla, deputado Michel Temer: o ministro Tarso Genro (Relações Institucionais) e o presidente do PT, Ricardo Berzoini, falaram em "relações institucionais", com o PMDB tendo não apenas uma fatia da administração, mas participando efetivamente da formulação do governo. Com isso, Lula tentaria evitar, num segundo mandato, no mesmo erro que incorreu no primeiro ao formar de maneira pouco ortodoxa uma maioria que só causou dor de cabeça.
Na segunda-feira, Genro e Berzoini devem se encontrar com o ex-presidente Itamar Franco, em Brasília, para discutir a aproximação entre PT e PMDB nas eleições de outubro. Genro voltou a insistir que tanto ele quanto Lula entendem que o PMDB tem o direito de ter candidato próprio nas eleições presidenciais. Mas alertou que todos estão de olho nas decisões da legenda aliada. "Nós achamos que, se o PMDB tomar uma decisão de não ter candidato, ele é um aliado potencial numa eventual candidatura Lula a um segundo mandato. Aí vamos procurá-lo novamente, como já fizemos, de maneira transparente", disse. "O PMDB, como partido centrista, joga papel importante. Achamos que tem uma ala progressista forte e joga para uma estabilização de qualquer governo no próximo período"
A coligação formal, como quer Genro, é difícil. O presidente do Senado, Renan Calheiros, é aliado de Lula, mas contrário à coligação. Na avaliação feita por Renan em reuniões partidárias seria mais importante para Lula fechar um acordo com o PMDB do que o PMDB fechar com o PT. Ou seja, para o PMDB o que deve interessar mesmo, no momento, é o governo.
Integrante da ala do partido, Geddel Vieira Lima (BA) diz que "as duas coisas (verticalização e a falta de um nome forte) impedem definitivamente que um líder meia-bomba possa ser candidato". Geddel considera que "o pecado original" do PMDB foi ter decidido, em 2002, coligar-se com José Serra na eleição presidencial e, derrotado nas urnas, "ter se aboletado no governo, rompendo o contrato que fez com o eleitor". Como o partido não foi uma coisa (situação) nem outra (oposição), ficou sem condições de reivindicar uma candidatura própria, quando foi decretada a verticalização.
Com candidatos competitivos em pelo menos 12 estados, o PMDB prefere ficar livre para fazer alianças regionais que fortaleçam seus candidatos a governador e permitam a eleição de uma grande bancada de deputados. Os cálculos variam de 100 a 120 deputados. Atualmente, o PMDB tem a maior bancada da Câmara, com 83 deputados, e do Senado, com 22 integrantes, além de nove governadores.
Devido a regra da verticalização, a candidatura própria dificulta as alianças estaduais. Em Pernambuco, Jarbas Vasconcelos concorre ao Senado numa chapa que tem como candidato ao governo Mendonça Filho (PFL) e um nome do PSDB a vice. Se o PMDB apresenta um nome à sucessão de Lula ou se junta com o PT, Jarbas teria de desistir de uma aliança formal com PSDB e PFL, aliados do tucano Geraldo Alckmin na eleição nacional. O caso de São Paulo é ilustrativo: PSDB e PT tentam uma aproximação com Orestes Quércia e Michel Temer. Os dois defendem a candidatura própria, mas se isso ocorrer, terão de renunciar à idéia de aliança com tucanos ou petistas.
A convenção deste sábado, como é normal no partido, corre risco de ser suspensa ou anulada por decisão judicial. São dois os postulantes a candidato: Itamar Franco e o o ex-governador do Rio Anthony Garotinho, cujas chances desabaram de vez com sua greve de fome considerada infantil. É possível que o ex-governador do Rio apóie a candidatura de Itamar, mas, apesar dos discursos inflamados em favor do candidato próprio, é pouco provável, à esta altura, alguma mudança no humor dos convencionais. (Colaborou Paulo de Tarso Lyra).