Título: Lula perde o brilho na cúpula UE-AL
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 11/05/2006, Brasil, p. A5

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega hoje a Viena, na Áustria, para participar da Cúpula União Européia-América Latina, ofuscado pela crise no Mercosul e contestado por organizações não governamentais (ONGs) que antes o colocavam no pedestal.

O presidente do Uruguai, Tabaré Ramón Vázquez Rosas, deverá protagonizar simbolicamente o estado calamitoso do Mercosul: ele não vai participar da reunião presidencial UE-Mercosul, marcada para dar "novo impulso político" à associação birregional. Esse, que é o evento mais importante para o bloco, ocorrerá no sábado, depois da cúpula. Mas Tabaré, que não esconde sua irritação com a falta de ganhos no Mercosul e se aproxima dos Estados Unidos, retorna a Montevidéu amanhã mesmo.

Enquanto Tabaré fica fora, Lula corre o risco de ter o presidente Hugo Chávez ao seu lado com os outros líderes do Mercosul, se o bloco seguir a prática da UE. Os europeus sempre se fazem acompanhar por países em processo de adesão plena. É o caso da Romênia e da Bulgária durante a Cúpula UE-América Latina. A Venezuela está nesse mesmo processo no Mercosul. Mas ontem, em Viena, havia mais confusão do que certezas. Diplomatas brasileiros achavam que "a princípio" o bloco do Cone Sul não seguirá o exemplo e Chávez não se sentaria com o Mercosul.

Negociadores da UE não escondem a perplexidade com a desintegração sul-americana. A cúpula é oficialmente para "impulsionar a parceria estratégica" com a América Latina. Mas a comissária de Relações Exteriores, Benita Ferro-Waldner, advertiu ontem que isso só pode ocorrer "se contamos com a vontade de nossos parceiros para superar os obstáculos que ainda persistem de sua parte".

A mensagem é destinada especialmente a Chávez, que ao tirar a Venezuela da Comunidade Andina de Nações (CAN), há duas semanas, detonou o lançamento de negociação UE-CAN durante a Cúpula. "Essa negociação deve ser revisada diante dos últimos acontecimentos políticos na região", informou a comissária.

O espanhol Joaquim Estefania nota em artigo no jornal "El Pais" que precisamente a principal experiência que a UE pode transmitir à América Latina - a integração regional para ter um papel destacado na globalização - tampouco está em seu melhor momento no velho continente, depois da crise de identidade que implodiu a Constituição Européia. Ele recorre a uma citação do ex-primeiro ministro espanhol Felipe Gonzalez: "A Europa se encontra em uma inquietante, mas doce decadência."

O projeto estratégico da UE é de "contemplar parceria reforçada" com alguns países - citando especificamente o Brasil. Até chegar a uma parceria estratégica, sonhada pela diplomacia brasileira, ainda vai demorar.

O professor Alfredo Valladao, diretor da cátedra sobre o Mercosul no Instituto de Estudos Políticos de Paris, conta que no começo era sobretudo alemã a idéia de a UE ter uma relação especial com os chamados "países-âncoras" - Brasil e México, fundamentalmente, na região - que seriam aqueles com capacidade de garantir um mínimo de estabilidade regional e peso geopolítico crescente no mundo. O argumento é de que com a Índia a Europa tem uma relação direta - então por que não com o Brasil?

A Comissão Européia sempre rejeitou essa idéia de "países-âncoras", porque teria de desagradar os "não-âncoras" da região e também porque privilegia o apoio aos processos de integração semelhantes aos da Europa.

A idéia agora está voltando por causa da percepção clara na Comissão de que as integrações na América Latina estão se desagregando e que seria necessário fortalecer a relação com alguns "big players" mais estáveis, como é o caso do Brasil. Em Viena, porém, essa discussão não vai prosperar. "Os europeus ainda preferem montar a parceria especial por etapas", diz um negociador.

Lula vai ser obscurecido também onde antes brilhava: junto às organizações não governamentais (ONGs). Mais de 200 entidades da América Latina e da Europa abriram ontem paralelamente uma cúpula alternativa, na qual fica claro que o presidente brasileiro saiu do foco da esquerda. As personagens centrais serão Chávez e o presidente da Bolívia, Evo Morales. Lula não foi convidado por decisão política dos organizadores. O argumento é de que ele não faz política econômica progressista.

Enquanto Evo Morales nacionaliza o gás, Lula libera os organismos geneticamente modificados, reclamou Alessandra Stickner, uma das organizadoras. João Pedro Stedile, líder do MST, acha que a conjuntura dos movimentos sociais está estimulando frentes antineoliberais e antiimperalistas. "Não é anticapitalista", avisa.

As ONGs têm avaliação crítica sobre a posição do governo Lula mesmo nas negociações comerciais globais. Acham que o governo favorece o agronegócio em detrimento do setor industrial.

Ontem à noite as diplomacias ainda negociavam o texto da Declaração de Viena. O único parágrafo ainda sem consenso é proposto por Cuba, para UE e América Latina condenarem medidas coercitivas unilaterais.

Enviar para um amigo|Imprimir