Título: Ex-secretário-geral duvida do que falou
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 11/05/2006, Política, p. A10

O ex-secretário-geral do PT Silvio Pereira desapontou a CPI dos Bingos, ontem. Esperado para confirmar as denúncias feitas em entrevista publicada pelo jornal "O Globo" no domingo, na qual informa que o partido pretendia arrecadar R$ 1 bilhão com o valerioduto, Pereira nem confirmou nem desmentiu as revelações feitas. Adotou outra estratégia: "A entrevista é verdadeira. O teor é que não tenho condição de afirmar se foi ficção da minha cabeça ou não. Pode ter sido uma fantasia. Nessa entrevista que eu dei, não sei mais onde está a verdade", afirmou o ex-petista, reiteradas vezes. Ruy Baron/Valor Pereira: "A entrevista é verdadeira. O teor é que não tenho condição de afirmar se foi ficção da minha cabeça ou não. Pode ser fantasia. Não sei mais onde está a verdade"

Pereira também procurou convencer os senadores que não leu a entrevista publicada. Em diversos momentos, não respondeu perguntas alegando falta conhecimento da reportagem. Na parte final do depoimento, o presidente da CPI, Efraim Morais (PFL-PB), leu na presença dele a íntegra do texto. "Senador, eu garanto que não li. Comecei a leitura quando a repórter me trouxe uma cópia antes de publicar, mas tive uma crise e não consegui terminar a leitura. Desde então, não ouço rádio nem vejo televisão", disse Pereira a Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA).

O ex-secretário-geral do PT poupou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de qualquer envolvimento com o valerioduto. Questionado sobre o trecho da entrevista no qual aponta Lula, o senador Aloizio Mercadante (PT-SP), o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e o ex-presidente do PT José Genoino como líderes absolutos do partido (e conseqüentemente chefes do esquema do mensalão), Pereira livrou os quatro e disse que a frase foi retirada do contexto. "Não falei deles no contexto de quadrilheiros. Quando citei os quatro, eu estava me referindo à história política do PT, sobre a importância dessas quatro lideranças no partido", afirmou. E completou: "Ele (Lula) não está sendo blindado. Ele é o grande líder desse país e nunca entrou em nada de errado".

Sobre Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, Silvio Pereira tratou de duas formas diferentes. Na primeira parte do depoimento, reconheceu no ex-companheiro a força para fazer a arrecadação sozinho. "Por mais inverossímil que possa ser, o Delúbio tinha controle absoluto de tudo. Não tenho conhecimento se outras pessoas tinham", diz. No fim do depoimento, deixou transparecer menos poder de Delúbio e mais ingerência da cúpula petista nas questões financeiras. "Delúbio tinha peso para assinar, mas não tinha peso financeiro, que era dado pela direção do partido". Mesmo assim, isentou a direção ao afirmar que Delúbio lhes explicava que buscava recursos na "rede bancária". Pereira tentou mostrar também que era preterido nas decisões mais importantes do partido. E previu: "Estamos sendo todos julgados e se eu errei, pagarei por isso; se erraram, também devem pagar por isso".

Silvio Pereira iniciou o depoimento aparentemente sob efeito de medicação, falando vagarosamente, com dificuldades. Pediu algumas pausas e, ao retornar do primeiro intervalo, já estava mais ágil, com um discurso em ritmo e tons normais. Quando deixava a sala de depoimento, entrava na sala da secretaria da comissão, mas não tinha contato com ninguém. Ia direto para o banheiro e ficava lá durante todo o intervalo. Em uma das pausas, informou aos médicos do Senado, que acompanharam o depoimento, que havia tomado um Lexotan.

Abatidíssimo, o ex-petista tratou todos os senadores de forma educada e não se exaltou em nenhuma resposta. Não fez ataques pessoais a nenhum dirigente do partido. A única exceção foi o atual presidente do PT, Ricardo Berzoini, que chamou Pereira de traidor e desequilibrado depois da publicação da entrevista e afirmou que o ex-secretário seria expulso do partido se não tivesse saído espontaneamente. "Falar que eu ia ser expulso é muita prepotência do Berzoini. Se não houvesse a crise, ele não seria presidente do PT. Ele não tinha apoio das bases do partido", atacou.

Insatisfeita, a oposição ameaça colher assinaturas para criar nova comissão de inquérito para investigar as denúncias da entrevista.