Título: Argentina bate Brasil no esmagamento
Autor: Fernando Lopes
Fonte: Valor Econômico, 11/05/2006, Agronegócios, p. B14

Pela primeira vez desde que adquiriu a brasileira Ceval Alimentos, em 1997, e consolidou o país como sua principal base global de produção de grãos, a Bunge, multinacional com sede nos Estados Unidos, processará mais soja na Argentina do que no Brasil nesta safra 2005/06.

Segundo Alberto Weisser, chairman e principal executivo (CEO) do grupo, isso reflete a crise dos grãos no país, multiplicada pelo câmbio, e as desvantagens tributárias para a produção de farelo e óleo de soja em relação ao vizinho.

"Estamos falando sobre isso há muito tempo. Esse câmbio é criminoso, e prejudica sobretudo os agricultores. Não quero parecer frio, mas nós [Bunge e outras processadoras ] podemos deslocar o esmagamento para países onde a rentabilidade da operação é mais atraente, e isso vem acontecendo. E os agricultores?", questiona Weisser, que é brasileiro.

Por considerá-los estratégicos e ainda passíveis de alteração, ele não divulgou os números da Bunge previstos para os dois países neste ciclo 2005/06 na entrevista concedida ao Valor durante visita que fez ao Brasil para a reunião do conselho de administração da International Paper, do qual faz parte desde janeiro último.

Mas a empresa informou que, no mercado brasileiro, onde conta hoje com oito esmagadoras - do ano passado para cá outras cinco foram fechadas em razão da conjuntura adversa -, o processamento de soja deverá recuar 10%, enquanto na Argentina, onde tem quatro unidades do gênero (uma inaugurada em 2005) a previsão é de alta de 15%.

Weisser disse que de maneira geral a Argentina deverá liderar o processamento de soja na América do Sul nesta temporada. E, segundo especialistas, isso deverá mesmo acontecer, a não ser no caso de improváveis mudanças radicais de cenário.

Nas contas de Renato Sayeg, da Tetras Corretora, depois de dezenas de fechamentos (definitivos ou temporários) de fábricas de processamento de diversas empresas estrangeiras e nacionais no Brasil nos últimos meses, a capacidade nacional de processamento, que antes chegava a 51,5 milhões de toneladas por ano, diminuiu para 42,2 milhões. Na Argentina, disse, a capacidade já alcançou 41,4 milhões de toneladas.

"Isso é capacidade, não significa que necessariamente esses volumes serão atingidos. Mas, além dos fatores conjunturais atuais favorecerem a Argentina, que podem representar um maior uso da capacidade, há expansões em curso por lá", afirmou.

Segundo a publicação especializada alemã "Oil World", com os investimentos, a capacidade de processamento na Argentina chegará a 48 milhões de toneladas até o fim de 2007, enquanto para o Brasil não há crescimento significativo previsto.

De setembro de 2005 a fevereiro de 2006, segundo a "Oil World", as fábricas brasileiras esmagaram 12,86 milhões de toneladas, ante as 14,16 milhões das fábricas argentinas. A liderança no período permaneceu com os EUA (donos de capacidade total superior a 57 milhões de toneladas/ano), com 23,94 milhões.

"Em virtude da incidência de ICMS no transporte interestadual do grão no Brasil, e da decorrente perda de competitividade de farelo e óleo de soja nacionais, essa tendência [crescimento do processamento na Argentina, estagnação no Brasil] já era observada desde que o dólar estava cotado a R$ 3. Agora, piorou. E a Argentina, cujo imposto pago pela exportação do grão é maior que o dos derivados, também tem vantagens logísticas", disse Sayeg. Vale lembrar que a produção brasileira de soja em grão ainda é 40% superior à do sócio no Mercosul.

Depois do encerramento definitivo de cinco fábricas no Brasil desde 2005, estima-se no mercado que a capacidade diária de processamento de soja da Bunge tenha recuado para menos de 22 mil toneladas por dia. E só na planta de Ramallo, inaugurada na Argentina no ano passado, a capacidade chega a 19 mil.

Fontes do setor lembram que a migração para outros países não é "privilégio" da Bunge, e que múltis como a americana Cargill trilham caminho semelhante. Mas como tem capital aberto nos EUA, a Bunge é obrigada a expor com mais transparência seus movimentos.

No primeiro trimestre deste ano, por exemplo, o lucro líquido global da Bunge caiu 41% em relação ao mesmo período de 2005, para US$ 58 milhões. Mas, segundo Weisser, os "ajustes" efetuados, incluindo o fechamento temporário de sete de suas 35 fábricas de fertilizantes no Brasil e a demissão de 2 mil funcionários, gerarão uma economia de custos de US$ 100 milhões por ano.

"Não posso vender com prejuízo. Vamos processar menos soja no Brasil, mas exportaremos mais soja em grão em 2006. E os resultados das operações brasileiras de óleos, margarinas, maioneses e trigo vão bem", afirmou Alberto Weisser.

Também vão bem, segundo ele, os projetos em outros países. Em 2006, serão concluídas uma fábrica de girassol ou soja na Ucrânia, uma de girassol na Rússia, duas de soja na Espanha e as ampliação de duas unidades canadenses. No Brasil, os gastos incluem apenas a expansão de minas de fosfatos (para a produção de adubos) e os terminas de grãos e fertilizantes no porto de Santos. No total a Bunge segue investindo cerca de US$ 500 milhões por ano.