Título: Importar mão de obra não ajudaria setor de serviços
Autor: Neumann,Denise
Fonte: Valor Econômico, 01/09/2011, Brasil, p. A4

O setor de serviços emprega 16,8 milhões de pessoas só nas seis principais regiões metropolitanas do país, segundo dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nos serviços que exigem menor qualificação - e que portanto poderiam ser mais facilmente atendidos por uma população de imigrantes em busca de melhores salários e condições de vida que nos países vizinhos -, a remuneração média era de 1,4 salário mínimo em 2009, algo próximo a R$ 770 hoje em dia, segundo dados da Pesquisa Anual de Serviços (PAS), também do IBGE, referente a 2009, a última disponível. Na ponta oposta, dos serviços mais especializados e bem remunerados (como o do trabalhador em transporte dutoviário), um profissional ganhava em média 18 mínimos (ou R$ 9,8 mil).

O tamanho e a heterogeneidade desse segmento, que hoje responde por mais de dois terços da economia brasileira, tornam inviável a possibilidade de que a ideia de modificar a legislação e permitir a "importação" de mão de obra funcione como um mecanismo de combate à inflação de serviços no Brasil, que acumula alta de 9% nos últimos 12 meses. Como informou o Valor na edição de ontem, essa é uma das ideias em debate dentro do governo, que corre em paralelo às medidas de ajuste fiscal. Ainda embrionária, a proposta de permitir a "importação" de mão de obra foi vista como uma forma de retirar a pressão sobre esse segmento.

Sílvio Salles, economista da Fundação Getulio Vargas, diz que salário é realmente o grande custo desde setor, altamente intensivo em mão de obra. "Importar um insumo importante para reduzir custos em um segmento funciona como regar a economia, mas não nesse caso", observa, estranhando a ideia em debate no governo.

Além da dificuldade operacional (quantos milhões de trabalhadores seriam necessários para fazer algum impacto no custo da mão de obra brasileira), o próprio funcionamento do setor é um empecilho. Serviços, diz Salles, é um setor no qual o salário mínimo (que vai subir 13,6% em 2012) funciona como indexador informal. Ele baliza tantos os salários como os próprios preços do setor. "Nos dois lados, do empregador e do empregado, a conta do salário é feita em mínimos", explica.

Se a importação de mão de obra como alternativa para reduzir custos parece inviável, Salles diz que reduzir o custo salarial pela redução de impostos sobre a folha de pagamentos do setor funcionaria. Pelos dados da Pesquisa Anual de Serviços, o peso de salários e encargos representa 35% do valor adicionado no segmento.

A possibilidade de incentivar a entrada de trabalhadores estrangeiros como forma de combater a inflação de serviços também foi criticada pelo movimento sindical. A importação de mão de obra, dizem seus representantes, poderia estimular seu uso em condições análogas à escravidão, o que já ocorre no Brasil, que é uma espécie de vitrine de mercado de trabalho e serviços sociais para países vizinhos, como Bolívia e Peru.

Para Clemente Ganz, diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o ingresso da mão de obra estrangeira é bem-vinda caso os trabalhadores tenham seus direitos garantidos e não acabem cumprindo regime semiescravo, mas a imigração não teria efeito nenhum sobre a folha de pagamento dos serviços, já que o acréscimo de oferta de trabalhadores ao mercado seria ínfimo.

"Não acredito que esse tipo de procedimento terá impacto sobre os custos. O impacto seria relevante se os trabalhadores viessem em condição de semiescravidão, e imagino que o governo não fará esse tipo de iniciativa." Para ele, a única forma de amenizar a pressão inflacionária do setor é pelo aumento da oferta no segmento.

Elias Ferreira, representante da Força Sindical no Conselho Nacional de Imigração (CNIg), afirma que a entidade é favorável ao trabalhador imigrante, desde que ele não seja usado para redução de salários e encargos e esteja em pé de igualdade com o trabalhador nacional. "Ainda temos trabalhadores brasileiros que não estão no mercado de trabalho e podem suprir essa demanda no setor de serviços", defende. "Como representante da Força Sindical, sou veementemente contra a entrada de trabalhadores nessa área."

A Central Única dos Trabalhadores (CUT) tem uma posição mais radical sobre o assunto. O presidente da central no Estado de São Paulo, Adi dos Santos Lima, chama a ideia do governo de "absurda". O governo, diz, precisa investir em qualificação de mão de obra interna, e não incentivar a entrada de trabalhadores estrangeiros.

Caso queira realmente flexibilizar a entrada de estrangeiros no mercado brasileiro, o governo federal precisar submeter a mudança ao Congresso, mesmo que inicialmente a proposta venha por meio de MP. Isso porque o Código do Estrangeiro, que regula a concessão de vistos pelo Brasil, é uma lei ordinária.

A legislação sobre entrada de estrangeiros no Brasil estabelece que os vistos para trabalho podem ser temporários ou permanentes. Nos dois casos, porém, diz Marcel Cordeiro, do Salusse Marangoni Advogados, um dos requisitos é a especialização da mão de obra. "É necessário que o profissional seja qualificado e represente uma agregação de conhecimento."

As resoluções do Conselho Nacional de Imigração, órgão ligado ao Ministério do Trabalho, lembra o advogado, vão na mesma linha. O pedido de entrada pelo estrangeiro, diz, é sempre acompanhado pelo empregador, o que seria mais difícil de ser aplicado na contratação de mão de obra não qualificada. "Quando o estrangeiro requisita o visto para o Brasil, isso é feito por meio do consulado brasileiro. Já nesse início de processo há a participação do empregador."