Título: O Brasil e a inflação de longo prazo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 10/05/2006, Brasil, p. A2

A inflação brasileira, se não houver nenhuma catástrofe nos próximos meses, deve convergir, neste ano, para a meta oficial de 4,5%. Para 2007, a meta já fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) também é de 4,5%. No mercado, já há quem acredite que essa, ou algo um pouco abaixo disso (4%), é a menor inflação possível para o estágio atual da economia brasileira.

Trata-se de uma inflação elevada para padrões internacionais. Estudo feito pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) com base no desempenho de 16 países emergentes (exclusive, o Brasil) mostra que, nos últimos dois anos, a média inflacionária foi de 3,5% ao ano. A média dos países industrializados é ainda menor. Está em torno de 2,1%.

Há limites para a queda da inflação além desse patamar. Um deles é a suscetibilidade do país a choques externos. "No Brasil, ainda estamos muito sujeitos a choques externos. A razão principal é que o nosso comércio sobre o Produto Interno Bruto (PIB) é relativamente pequeno em comparação com outras economias", lembra o economista Sérgio Werlang. Mesmo com o avanço das exportações nos últimos anos, elas ainda representam uma pequena fatia do PIB - 17%. Outra razão importante mencionada por Werlang é o fato de que, no Brasil, a Constituição não permite redução do salário nominal. Esse é um problema que o saudoso professor Mário Henrique Simonsen costumava apontar como uma das dificuldades do processo de estabilização da economia brasileira.

Sem a possibilidade legal de redução de salário, tema que não consta da agenda de nenhuma corrente política, os vencimentos, principalmente dos funcionários públicos, apresentam forte tendência de alta mesmo em períodos de crises. Em boa medida, isso se deve à existência de mecanismos de reajuste automático, como os decorrentes de promoção por tempo de serviço.

"Isso não quer dizer que, em outros países, salários nominais caiam com freqüência. Não caem, contudo, não há essa proibição. Na década de 80, por exemplo, houve caso de sindicatos alemães que aceitaram corte de 7% nos salários. Nos anos 90, na Argentina também houve corte nos salários do funcionalismo. Foi necessário e aconteceu", cita Werlang.

A inflação, mesmo que esteja hoje em níveis bem inferiores aos das duas décadas anteriores ao início do Plano Real, ainda funciona como um mecanismo de contenção dos gastos reais. "O Brasil, estruturalmente, tem que ter uma taxa de inflação um pouquinho maior que a de outros países, não muito, mas um pouco maior. Não sei se 4% ou 4,5% já não seriam esse nível de longo prazo. O fato é que estamos muito próximos da inflação de longo prazo que o país sustenta. Ainda não dá, por exemplo, para ter a inflação do Chile (de 3% ao ano) porque lá não existe esse problema da incompressibilidade dos salários e por já ter atingido a meta de longo prazo há mais tempo", diz Werlang.

Chegar à possível inflação de longo prazo significa que o país estaria perto de concluir o processo de desinflação iniciado em julho de 1994. Isso permite o início de um outro debate relevante: o aperfeiçoamento do regime de metas de inflação. Praticamente todos os países que adotaram esse tipo de sistema nos últimos 20 anos fizeram modificações. O aperfeiçoamento é necessário para que se mantenha a conquista institucional do controle inflacionário.


Limites legais impedem queda abaixo de 4,5%

No caso brasileiro, não houve mudanças no regime desde a sua adoção. Werlang, que em 1999 era o diretor de Estudos Especiais do Banco Central e hoje é diretor executivo do Banco Itaú, é um dos pais do sistema implantado no Brasil. Ele acredita que, uma vez alcançada a inflação de longo prazo, o país pode caminhar para o método inglês.

Na Inglaterra, onde a meta de inflação é estável em 2,5%, ou seja, não existe uma banda com teto e piso, o banco central persegue o alvo, observando, a cada mês, se a inflação dos 12 meses está acima ou abaixo da meta. "Não tem muita discussão. Verifica-se a inflação de 12 meses para trás. Se estiver acima da meta, o BC tem que apertar a política monetária. A não ser que tenha uma justificativa para baixo, tem que afrouxar", explica Werlang.

Na avaliação do diretor do Itaú, esse sistema seria mais interessante para o Brasil, primeiro, porque as pessoas se acostumariam, de uma vez por todas, com um padrão fácil, que todo mês se repete. "A vantagem é que, se um empresário quiser subir os preços acima de 4,5%, vai saber que está subindo em termos reais. Quando um sindicato pedir reajuste maior do que aquilo, sabe que está pedindo mais do que a inflação", observa.

Depois de um ou dois anos convivendo com essa estabilidade, sustenta Werlang, ficaria muito mais fácil tocar o regime. Se a inflação em 12 meses der um repique por alguma razão, o BC reconhece que saiu da meta e anuncia que voltará para ela num determinado prazo. "Não precisa seguir o ano-calendário, que é o nosso grande problema."

Werlang conta que a idéia de seguir o ano-calendário era transitória. Seria assim até que a inflação cedesse da alta de 1999, provocada pela forte desvalorização do real. O problema é que, nos anos seguintes, a economia sofreu novos choques, dificultando o cumprimento das metas. Apesar dos problemas, o regime de metas, sustenta o ex-diretor do BC, está funcionando.

"Nada é perfeito. Minha opinião é que, no ano passado, o BC exagerou nos juros e que, agora, deveria estar cortando mais rapidamente, mas não é nada que o tempo não cure, se continuar o processo de queda. No final das contas, o sistema de metas conseguiu ancorar bem as expectativas, funcionou para manter a inflação sob controle mesmo num período de grande oscilação da taxa de câmbio, tanto para cima quanto para baixo", assinala.

Werlang lembra que o sistema brasileiro tem flexibilidade, na medida em que possui uma banda de tolerância de 2 pontos percentuais para cima ou para baixo. "Só não tem ainda essa visão de mais longo prazo, que eu considero essencial para o momento em que se ache que o Brasil chegou ao nível de inflação, digamos, aceitável", explica o ex-diretor do BC.