Título: Lula fez advertência a Chavéz
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 10/05/2006, Internacional, p. A10

A forte irritação do governo brasileiro com as ações do presidente Hugo Chávez na América do Sul provocou, pela primeira vez, comentários públicos do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em audiência no Senado, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim revelou que Lula, em "conversa franca" com Chávez, advertiu que as ações do venezuelano podem pôr em risco o projeto do megagasoduto do Sul, acalentado pela Venezuela, e ameaçam a integração do continente.

"Foi transmitido a Chávez nosso desconforto, e o pessoal, de Lula", disse Amorim, ao comentar um telefonema de Lula ao venezuelano, devido à notícia da presença de técnicos da PDVSA, a estatal venezuelana da petróleo, na Bolívia.

Numa medida do desagrado do governo pela aproximação entre Chávez e o presidente da Bolívia, Evo Morales, Amorim deixou de lado as sutilezas ao insinuar que a concorrência com o venezuelano pode ser uma das justificativas para o tratamento moderado dado pelo Brasil à nacionalização do gás boliviano. "Não quero subscrever o que se diz, que o Evo Morales está nas mãos do presidente [da Venezuela, Hugo] Chávez", comentou, pouco diplomaticamente, o chanceler brasileiro. "Se isso fosse verdade, só seria agravado [por uma resposta dura do Brasil]."

Amorim lembrou que, antes dos esforços de integração na América do Sul, a partir dos anos 80, a Bacia do Prata era caracterizada por conflitos entre os vizinhos, e sugeriu que os atritos de Chávez com outros países andinos, como Colômbia e Peru, ameaçam a volta de problemas desse tipo na região. "Disse, em conversa com o chanceler da Venezuela: não podemos recriar o contexto da Bacia do Prata no Mercosul", contou Amorim.

O governo brasileiro incomodou-se, também, com encontro em abril de Chávez com os presidentes da Bolívia e dos dois países menores do Mercosul, Uruguai e Paraguai, encerrado com fortes críticas do venezuelano ao Mercosul e à Comunidade Andina de Nações. "A presença dele podia ser entendida como um estímulo a ações que não se compatibilizam com o espírito integracionista", comentou Amorim, ao descrever uma das conversas de Lula com o presidente venezuelano.

O ministro disse acreditar que as conversas tiveram efeito, a julgar pelo comportamento de Chávez na reunião entre ele, Lula, Morales e o presidente da Argentina, Néstor Kirchner, para tratar da crise com a nacionalização do gás boliviano. Chávez teria apoiado Lula no trabalho de moderar as atitudes do governo da Bolívia.

A presença de Chávez no encontro, muito criticada por parlamentares da oposição (inclusive na Bolívia), foi defendida por Amorim porque, naquele "momento delicado", o venezuelano era uma pessoa que "exerce influência ou ascendência" sobre Morales.

A principal razão, porém, segundo o ministro, foi o projeto comum de Gasoduto do Sul, defendido por Chávez, ao qual se incorporou a Bolívia, e a existência, na Venezuela, das maiores reservas de hidrocarbonetos do continente.

Amorim também considerou a presença na Bolívia de funcionários da PDVSA uma ação que poderia estimular divergências entre os países da região, o que teria motivado o alerta de Lula ao venezuelano sobre os riscos ao gasoduto e à integração defendidos por ambos.

Amorim disse ser a favor do gasoduto - que é considerado uma possibilidade remota e de difícil realização técnica pelas autoridades da Bolívia. O ministro defendeu que as relações pessoais de Lula com Chávez e Morales facilitam a solução de divergências, como as surgidas com a nacionalização do gás na Bolívia. "As relações são entre Estados, mas as relações pessoais são importantes", comentou.