Título: Cubanos e venezuelanos "invadem" a Bolívia
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 10/05/2006, Internacional, p. A10

Gladys Melani estava quase cega de catarata. Juan Mamani era analfabeta. Sharon Mayra não existia oficialmente. O ponto comum entre esses três bolivianos, além da pobreza, foi a ajuda que receberam de Cuba e da Venezuela para resolverem seus problemas.

Fidel Castro e Hugo Chávez deram o pontapé inicial em programas de auxílio humanitário para o governo de Evo Morales, no poder há três meses. Em troca, ganharam agradecimento e pontos políticos.

É tudo parte do que Morales, em provocação velada ao governo Bush, chama de "eixo do bem".

A catarata de Melani foi removida por um dos cerca de 700 médicos cubanos enviados aos pontos mais extremos da Bolívia. Materiais de ensino cubanos estão ajudando Mamani a aprender a ler e escrever. A carteira de identidade de Mayra, de 17 anos, foi feita com tecnologia venezuelana, com o que agora ela poderá votar, viajar ao exterior e desfrutar de outros benefícios. Cerca de 1 milhão de bolivianos da camada mais pobre, cerca de 10% da população, deverão receber o mesmo auxílio.

A Venezuela também está ajudando a instalar 109 estações de rádio rurais para ajudar Morales a disseminar sua doutrina socialista, assim como Chávez já o fez.

Morales, um índio aymara, ganhou a presidência em dezembro, na esteira do descontentamento com a classe governista tradicional. Em 29 de abril, assinou o "Tratado de Comércio dos Povos" com Castro e Chávez, uma alternativa, essencialmente simbólica, aos acordos de livre comércio que Washington vem assinando com outros países latino-americanos.

Dois dias depois, decretou a nacionalização do gás natural da Bolívia, uma asserção mais forçosa do controle do Estado sobre os recursos minerais do que a de Chávez sobre o petróleo de seu país.

Os EUA continuam a ser o maior doador à Bolívia, contribuindo com pouco menos da metade dos US$ 360 milhões anuais que os países ricos pagam para saldar 60% das contas do governo boliviano.

A generosidade cubana e venezuelana aumenta à medida que Morales continua a inclinar-se para a esquerda. No fim de semana passado, a Venezuela ofereceu mais US$ 130 milhões em dois fundos separados, um para projetos sociais e outro para obras de infra-estrutura e desenvolvimento.

"O que esses doutores estão gerando vai além da cooperação, é mais sobre relações inter-humanas", observa o vice-ministro da Saúde da Bolívia, Alberto Nogales. Os críticos vêem perigos.

O parlamentar oposicionista e ex-chanceler Fernando Messmer diz que a Venezuela poderia usar a base de dados criada para as carteiras de identidades para manter seu próprio registro sobre os bolivianos. Sem provas, ele sustenta que Venezuela e Cuba estão mais preocupados em promover Morales do que em ajudar os pobres. "Isto vai em direção à consolidação de um Estado totalitário", diz.

A petrolífera estatal venezuelana assinou contrato para construir uma fábrica de etano, metano e propano na Bolívia. Especialistas venezuelanos estão envolvidos nos detalhes do plano de nacionalização de gás de Morales. Chávez ofereceu à Bolívia diesel em troca de produtos agrícolas, como soja.

Recheado de petrodólares, Chávez ofereceu combustível a preços preferenciais para 13 países do Caribe e para alguns distritos mais pobres dos EUA. Também fornece bolsas de estudo para haitianos.

Os cubanos por sua vez, que nos tempos da Guerra Fria enviaram soldados para combater em Angola e Nicarágua, concentram-se em colaborar com seus vizinhos, incluindo a Venezuela, nas áreas de educação e saúde. Uma campanha de alfabetização moldada na que Cuba já levou à Venezuela pretende ensinar 720 mil analfabetos a ler e escrever em dois anos. Cuba entregou 30 mil aparelhos de TV, fitas de vídeo e livros para professores bolivianos voluntários.