Título: Amorim defende reação moderada e prevê negociação difícil com Bolívia
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 10/05/2006, Internacional, p. A10

A Petrobras acionará a corte arbitral de Nova York caso não chegue a acordo com o governo da Bolívia em torno das conseqüências, para a empresa, da nacionalização do gás, anunciou o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, em depoimento à Comissão de Relações Exteriores do Senado. Lembrando a existência de cerca de 70 mil imigrantes bolivianos no Brasil, muitos deles em situação irregular no país, ele declarou ainda que o Brasil tratará com "reciprocidade" qualquer medida do governo boliviano contra brasileiros. Ruy Baron/Valor Sob pressão: o ministro Celso Amorim fala a comissão do Senado sobre a reação brasileira na crise com a Bolívia

Acusado por parlamentares da oposição de ter reagido de forma "tíbia" e insuficiente à nacionalização do gás e petróleo na Bolívia e ao envio de tropas para instalações da Petrobras, Amorim afirmou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, "de maneira franca, disse tudo que tinha de ser dito" ao governo vizinho, por telefone e na conversa mantida com o presidente da Bolívia, Evo Morales, no encontro da semana passada na Argentina. "Se estimularmos a irracionalidade, ela pode prevalecer", disse, lembrando a história da Bolívia, "de complexos, ressentimentos e sofrimentos imensos".

"Se o presidente Lula quisesse agir eleitoralmente, faria estridência e tiraria proveito disso", comentou Amorim, ao defender a nota oficial amistosa divulgada ao fim da reunião de presidentes. "Essa estridência não ajudaria, radicalizaria a posição do Evo Morales", disse o ministro, explicando aos senadores que o tema da nacionalização é um dos mais sensíveis na Bolívia, às vésperas de eleição de uma Assembléia Constituinte.

"Se radicalizarmos com ações estridentes e ameaçadoras, a irracionalidade pode prevalecer do outro lado", afirmou. Segundo ele, as declarações e atitudes das autoridades bolivianas se tornaram mais "moderadas" depois da reunião na Argentina. "Nem quero sublinhar muito isso, para que eles não se sintam obrigados a novas declarações mais fortes", brincou. "Melhor agir e buscar resultados que ficar buscando resposta a cada declaração que surgir", respondeu a um senador que cobrou resposta do governo brasileiro a declarações agressivas dos bolivianos.

O senador Jefferson Peres (PDT-AM), acusou o governo de "ranço ideológico" e propôs um "voto de censura" ao governo pela "tibieza" na reação a ações como a "invasão" das instalações da Petrobras por tropas bolivianas. Os bolivianos, com a débil reação do Brasil, poderão se sentir estimulados até a invadir o Acre para retomar o Estado adquirido da Bolívia pelo Brasil nas negociações do Barão do Rio Branco, ironizou o senador.

Do mesmo partido de Peres, o senador e postulante à candidatura presidencial Cristovam Buarque (DF) parabenizou o governo pela ação "diplomática" com a Bolívia. "Não se pode confundir Estado com empresa: os problemas da Bolívia com a Petrobras refletirão no balanço do ano, e os do Brasil com a Bolívia terão reflexos nas relações dos dois países nos próximos cinqüenta anos", advertiu.

Bem mais críticos, outros senadores da oposição, como o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), e Agripino Maia (PFL), acusaram o governo de desmoralizar a tradição diplomática brasileira por motivações ideológicas e chegaram a hipotizar uma invasão paraguaia à usina de Itaipu, inspirada na ação boliviana contra a Petrobras.

Amorim argumentou que não houve invasão de tropas bolivianas, mas envio do Exército à entradas de instalações nacionalizadas. Reconheceu, porém, que a medida foi "inconveniente e desnecessária". Classificou o uso de tropas como medida "adolescente" do governo Morales, que, garante, foi criticada duramente por Lula na conversa com o boliviano.

O ministro admitiu que não tem nenhuma garantia do governo boliviano contra novos ataques aos interesses brasileiros no país. Disse não crer que haja medidas prejudiciais aos produtores de soja brasileiros, por sua importância econômica na Bolívia, e informou ter comunicado ao governo da Bolívia que não aceitará exigências de documentos a brasileiros no país "discrepantes" do acordo entre dois países, que facilitou a permanência de bolivianos no Brasil.

Amorim lembrou que a decisão de nacionalizar o gás não foi tomada pelo governo Morales, mas em um plebiscito nacional francamente majoritário, que antecedeu as eleições presidenciais. Disse que a Petrobras, cautelosamente, já vinha reduzindo investimentos no país vizinho e previu uma negociação longa e difícil com o governo boliviano sobre o preço do gás. A Petrobras terá uma indenização pela estatização de propriedades da empresa na Bolívia, disse. "O Brasil não abriu mão de nada."

Ele reconheceu, ainda, que o Brasil precisa aumentar a sua capacidade de produção de gás e diversificar fornecedores, para se defender contra incertezas políticas e desastres naturais . Aproveitou para comentar que a política de aproximação com os países da África tem facilitado o contato com governos de países produtores de gás e petróleo, como Nigéria e Argélia.

"O gás na Bolívia continuará sendo um bom negócio", defendeu, ao informar que a empresa Royal Dutch-Shell anunciou interesse em investir no país. "Petróleo não dá na torre Eiffel, nem manganês em Wall Street", citou Amorim, repetindo o presidente da Vale do Rio Doce, Roger Agnelli, para defender a atuação em países instáveis como a Bolívia.