Título: Cenário movediço na definição da taxa de juro
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 01/09/2011, Opinião, p. A16

Há muito tempo uma reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) para decidir o patamar da taxa básica de juros (Selic) não acontecia em um cenário tão desafiador para seus membros. Em poucas semanas, a perspectiva para os juros passou da quase certa elevação para a estabilidade e, nas últimas horas, até uma eventual redução que, afinal, prevaleceu. A Selic caiu a 12%.

O aparente fim da trégua da inflação do meio do ano incentivou as apostas de que a Selic poderia ser elevada nesta reunião. O IPCA-15, variante do índice oficial de inflação, apurado de 14 de julho a 12 de agosto, subiu 0,27%, o dobro do registrado no período anterior, acumulando 7,1% em 12 meses.

A piora no cenário internacional mudou, contudo, a percepção e passou-se a esperar que o Copom manteria os juros estáveis. A um dos piores momentos da crise na zona do euro somou-se o agravamento da situação nos Estados Unidos, com o embate político em torno da elevação do limite do endividamento do governo e o rebaixamento da dívida do país.

O aprofundamento da crise está desacelerando a economia dos países centrais, o que deve reduzir a demanda e os preços das commodities e diminuir as pressões inflacionárias no Brasil. Ainda é cedo para se saber se haverá um duplo mergulho, mas as projeções para a economia mundial estão sendo rebaixadas. O Fundo Monetário Internacional (FMI) reduziu a projeção do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) americano neste ano, de 2,5% para 1,6%; e o de 2012, de 2,7% para 2%. O FMI também cortou a expectativa de expansão econômica da zona do euro de 2% para 1,9% neste ano; e de 1,7% para 1,4% para 2012. No Brasil, os sinais de desaceleração multiplicam-se, mas não são uniformes. Depois de ter caído 1,2% em junho, a produção industrial subiu 0,5% em julho.

A revisão de cenário para os juros culminou, nesta semana, com a decisão do governo de aumentar em R$ 10 bilhões o superávit primário do governo central deste ano, que passou de R$ 81,76 bilhões para R$ 91 bilhões. Assim, o superávit primário total projetado em R$ 117,9 bilhões chegará a R$ 127,9 bilhões, o equivalente a 3,2% do PIB, retomando um patamar que vigorou no governo Lula antes da crise internacional, desconsiderando a participação de estatais recentemente excluídas das contas fiscais do setor público.

Apesar de o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ter rejeitado qualquer suspeita de pressão sobre o Copom, reconheceu que a medida fiscal abre espaço para o corte do juro. "O Banco Central estará em condições de agir com uma política monetária mais expansionista, caso haja agravamento da crise", afirmou segundo "O Globo". A própria presidente Dilma Rousseff entusiasmou-se: "A partir deste momento, nós começamos a ver a possibilidade de redução dos juros no Brasil, que hoje pratica as mais altas taxas", disse em entrevista a uma rádio pernambucana.

Além da importante sinalização ao Banco Central, o esforço fiscal adicional anunciado nesta semana tem outras dimensões. Os R$ 10 bilhões que serão adicionados ao superávit primário virão da arrecadação excedente que a Receita Federal vem registrando. A arrecadação tem surpreendido e, em julho, contou com recolhimentos extraordinários decorrentes da adesão de empresas ao Refis da Crise e do pagamento de R$ 5,8 bilhões em Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) feito pela Vale com o encerramento de uma pendência jurídica. Assim, em sete meses, o governo fez quase 80% da meta original de superávit fiscal prometido.

Para que a arrecadação extra não se transformasse em despesas indesejáveis criadas por emendas parlamentares, o governo antecipou-se e reforçou a meta de superávit primário. Ficou assim evidente que o movimento do governo foi também um recado ao Congresso, onde estão em pauta alguns projetos que o governo não quer aprovados porque resultarão em aumento de gastos.

Há dúvidas, porém, sobre até onde vai a disposição do governo à disciplina fiscal. Embora já tenha se comprometido em cumprir a meta cheia do superávit primário de 2012, nenhuma medida específica emergiu para o próximo ano, quando haverá várias pressões, como o aumento do salário mínimo e as desonerações do Plano Brasil Maior. Além disso, desempenho invejável atual é basicamente fruto de receitas não recorrentes e corte de investimentos. Por isso mesmo, está certo poupar um ganho que não deve se repetir e tentar aliviar a monstruosa carga de juros, que já acumula R$ 138,5 bilhões neste ano, o equivalente a 6% do PIB.