Título: Bolsa tem risco, mas é opção para setembro
Autor: Monteiro,Luciana
Fonte: Valor Econômico, 01/09/2011, Investimentos, p. D3

Setembro começa com os investidores mais uma vez de olho no mercado internacional. As atenções se concentram principalmente nos números da economia americana, que podem definir as ações do Federal Reserve (Fed, banco central americano) em sua próxima reunião nos dias 20 e 21. Até lá, os ativos devem oscilar ao sabor de cada dado anunciado, sobretudo nos Estados Unidos. A boa notícia, no entanto, é que, por aqui, a crise lá fora fez com que os economistas passassem a trabalhar com um cenário de fim do ciclo de aperto monetário e alta dos juros, o que beneficia a renda variável.

Pode-se dizer que agosto foi realmente o mês do desgosto para grande parte dos investidores de bolsa. Em alguns dias, o aumento da aversão ao risco foi tamanho que a movimentação dos ativos lembrou as fortes oscilações registradas durante a crise de 2008, quando se temeu um colapso do sistema financeiro mundial. O Índice Bovespa (Ibovespa) chegou a cair 17,26% no mês, atingindo o piso dos 48.668 pontos no dia 8 de agosto. Nas duas últimas semanas, entretanto, o indicador começou a se recuperar, encerrando o mês com perda de 3,96%, aos 56.495 pontos. Apesar de toda essa volatilidade, o Ibovespa ainda conseguiu fechar agosto com uma desvalorização menor que a registrada em julho, de 5,74%.

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Já na renda fixa, os investidores que mantinham papéis com juros prefixados foram recompensados, diante das expectativas de que o ciclo de alta da Selic tenha chegado ao fim. A mudança, na avaliação do mercado, ocorreu por conta do agravamento da crise internacional, que deve reduzir o crescimento da economia global. Com isso, alguns até trabalham com a possibilidade de redução dos juros, algo impensável há um mês.

A queda do Índice Bovespa, no entanto, deixou muitos papéis a preços bastante atrativos. A demanda interna continua forte e a taxa de desemprego está em níveis historicamente baixos, o que deve continuar beneficiando as empresas mais voltadas para o mercado local, avalia Marcelo Mello, vice-presidente da SulAmérica Investimentos. Ele cita como oportunidades papéis dos segmentos de varejo, construção civil e instituições financeiras.

Mas como os problemas lá fora não foram resolvidos, somente adiados, a recomendações para os investidores é que sejam mais conservadores em bolsa, afirma André Cleto, sócio da Beta Advisors. "A bolsa está barata, mas pode ficar ainda mais barata; o melhor é esperar um pouco mais até que o cenário esteja menos nebuloso", afirma.

A percepção de menor crescimento global fez com que, em agosto, o Morgan Stanley cortasse sua projeção para o crescimento econômico global neste ano, citando uma reação "insuficiente" para a crise da dívida soberana da Europa, fraca confiança e perspectiva de aperto fiscal. O banco estima expansão de 3,9% para a economia mundial em 2011, abaixo da anterior, de 4,2%. Na visão do Morgan, os Estados Unidos e a Europa estão "perigosamente perto da recessão". O banco cortou ainda sua estimativa para a expansão da China no próximo ano, de 9% para 8,7%.

Para setembro, o foco dos investidores recai sobre a reunião do Fed, que será realizada entre os dias 20 e 21. As expectativas são de que o Fed anuncie a terceira versão do "Quantitative Easing" (QE3) - mecanismo pelo qual o BC americano compra títulos para injetar dinheiro na economia. As apostas cresceram depois que o presidente do Fed, Ben Bernanke, afirmou durante encontro na semana passada que o BC americano vai fazer de tudo para ajudar a restaurar as altas taxas de crescimento dos Estados Unidos.

Na agenda do mercado, a reunião do Fed concentra as atenções enquanto por aqui os olhos se voltam para possíveis sinais sobre a trajetória da taxa básica de juros, afirma Mauricio Pedrosa, sócio da Queluz Asset Management. Muitos acreditam que a economia americana está à beira de uma recessão e, se o QE3 não sair, pode haver muita oscilação, lembra o executivo. "O problema é que o cobertor por lá está curto", diz Pedrosa, lembrando que o governo americano vem sendo pressionado a cortar custos.

Se os indicadores referentes ao desempenho do mercado de trabalho e do setor imobiliário surpreenderem positivamente, o QE3 poderá, inclusive, ser postergado, avalia Mello, da SulAmérica Investimentos. A bolsa brasileira pode ser beneficiada, entretanto, pelo fluxo de recursos, que costuma ser mais forte nos últimos quatro meses do ano, lembra ele.

Agosto foi marcado também pela aprovação do acordo para elevar o teto do endividamento americano. Depois de muita discussão, a Câmara dos Representantes dos EUA e o Senado aprovaram o aumento da dívida em US$ 900 bilhões em um primeiro momento e corte de gastos de pelo menos US$ 2,1 trilhões em dez anos. A aprovação, no entanto, não evitou a derrocada dos mercados ao redor do mundo. Isso ocorreu após a agência de classificação de risco Standard & Poor"s (S&P), pela primeira vez em 70 anos, rebaixar a nota de crédito soberano de longo prazo dos Estados Unidos, de "AAA" para "AA+", com perspectiva negativa.

Nem mesmo o Japão escapou, com a Moody"s rebaixando a nota de crédito do governo japonês, de "Aa2" para "Aa3". A piora na classificação ocorreu, segundo a agência, por conta do elevado grau de endividamento do governo. Ontem foi a vez da China - a Fitch alertou que pode rebaixar o rating chinês em moeda local em consequência do aumento das falências e da inflação alta, que se seguiram à expansão do crédito nos últimos anos.

Já na Europa, o mês foi marcado pelo ataque aos mercados da Espanha e Itália, que precisaram pagar prêmios de risco - preço adicional - recordes em seus bônus. A Itália reagiu e aprovou um corte no déficit do país de € 45,5 bilhões, sendo € 20 bilhões no próximo ano e € 25,5 bilhões em 2013. E, no início do mês, após o rebaixamento da nota americana, houve o temor de que o mesmo poderia ocorrer com a França. Na terça, as três principais agências de rating - Moody"s, Standard & Poor"s e Fitch - declararam que não pretendem revisar a nota francesa neste momento.

Outro ponto positivo para o Brasil no mês passado foi a elevação da perspectiva da nota soberana do Brasil pela agência de classificação de risco Standard & Poor"s, de estável para positiva. A ação representa o primeiro passo antes de uma elevação no rating.

No lado corporativo, agosto foi marcado pela divulgação de vários balanços relativos ao segundo trimestre, que vieram relativamente bem, embora as receitas e lucros tenham crescido em ritmo menor que o apresentado nos três primeiros meses do ano. O segmento de farmácias registrou consolidações importantes no mês. Destaque para Droga Raia e Drogasil, que se uniram na Raia Drogasil. Em reação, Drogaria São Paulo e Drogarias Pacheco anunciaram na terça-feira a fusão das duas empresas, com criação da Drogarias DPSP.

A forte volatilidade registrada no mês fez algumas empresas engavetarem temporariamente os planos de abertura de capital. A Copersucar, maior negociadora de açúcar e etanol do país, foi uma delas. A empresa decidiu cancelar sua oferta inicial de ações, na qual pretendia levantar entre R$ 2,1 bilhões e R$ 2,7 bilhões. Outra a desistir de realizar um IPO foi a Camil Alimentos.

Diante das quedas expressivas das ações, muitas empresas anunciaram programas de recompras de papéis como Telesp, Localiza, Cosan, ALL e Gol.