Título: Queda da renda ajudou a promover saldo comercial
Autor: Alex Ribeiro
Fonte: Valor Econômico, 06/12/2004, Brasil, p. A2

Dados compilados pelo Banco Central mostram que a expansão do saldo comercial desde o início da flutuação do real, em 1999, foi fortemente apoiada na redução do valor dos salários em dólar - e a produtividade das empresas, em vez de ajudar, acabou pesando desfavoravelmente na competitividade brasileira. Os números revelam que, a despeito da recente valorização da moeda nacional, a rentabilidade dos exportadores em outubro passado era 47,11% maior do que em dezembro de 1998, um mês antes do fim do regime de câmbio fixo. Normalmente, o debate sobre o nível ideal de câmbio é feito com base apenas na cotação do dólar e na inflação ocorrida. Para subsidiar uma análise um pouco mais completa, periodicamente o BC divulga uma tabela que relaciona esses indicadores com outras variáveis fundamentais para determinar a rentabilidade do exportador - os salários reais na indústria e a sua produtividade. A conclusão que salta aos olhos é que, desde 1999, houve um forte aumento, de 44,71%, no indicador que mede a relação entre as receitas dos exportadores e as remuneração paga aos trabalhadores, segundo dados da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) - em outras palavras, o salário medido em dólares despencou. "De 1999 para cá, o que se tem é um empobrecimento da população em dólares", diz o economista Roberto Padovani, da consultoria Tendências. "É fato que a desvalorização provocou queda no salário relativo", afirma o diretor-executivo do Instituto de Estudos para o desenvolvimento Industrial (Iedi), Júlio Sérgio Gomes de Almeida. O consenso se esgota quando o debate é se a corrosão dos salários é suficiente para garantir competitividade das exportações. Padovani prefere enxergar um copo que está cheio d'água pela metade. "Mesmo que haja uma apreciação do câmbio no curto prazo, ainda assim houve um ganho considerável na rentabilidade do exportador desde 1999", afirma. A prova do pudim, diz, é o elevado saldo comercial dos últimos anos. Já Gomes de Almeida vê o copo meio vazio. "Desde maio de 2003, houve uma perda de 24% na rentabilidade dos exportadores", sustenta. Os efeitos dessa rentabilidade mais baixa - e bastante volátil - será uma queda nos investimentos dos exportadores. Ao mesmo tempo em que houve achatamento de salários em dólares, caiu a produtividade relativa do país. Ou seja: os salários em dólares tiveram que se reduzir ainda mais porque a produtividade brasileira não foi capaz de acompanhar padrões internacionais. De 1999 até outubro passado, o câmbio real, corrigido pelo INPC, desvalorizou-se em 71,2%. Mas o avanço mais lento da produtividade comeu boa parte deste ganho. O índice de taxa real de câmbio corrigida pela produtividade avançou apenas 17,5% no período. Padovani afirma que esses números se explicam, principalmente, pelo desempenho excepcional da produtividade nos Estados Unidos. "Eles vêm registrando crescimento da produtividade surpreendentemente alto", afirma. O Brasil registrou avanços, mas num ritmo menos intenso. Como o que vale não é só quanto a produtividade do País cresce em termos absolutos, mas quanto cresce nos concorrentes, a competitividade brasileira sai prejudicada. Gomes de Almeida reconhece que, nos últimos anos, o avanço da produtividade foi mais lento. Esta queda se deve, sustenta, aos baixos níveis de investimento, provocados por ciclos negativos na economia. Mais recentemente, neste ano, a produtividade voltou a crescer, coincidindo com a retomada dos investimentos na margem. "É obvio que seria bem melhor que a rentabilidade do exportador se apoiasse em aumento de produtividade, e não em redução de salários em dólares", afirma. Mas ele argumenta que, via câmbio mais favorável para exportadores, é possível ampliar a produtividade. "As experiências de Japão, Coréia e Irlanda mostram que, em economias abertas, um câmbio depreciado dá acesso aos mercados internacionais", afirma. "Mas as empresas não deixam de investir e de ampliar a produtividade."